14 abril 2024

À Sua Alteza o príncipe G.


Príncipe,
Vossa alteza concedeu-me a honra de dirigir-me várias perguntas relativas ao Espiritismo. Tentarei respondê-las até onde o permita o estado dos conhecimentos atuais sobre a matéria, resumindo, em poucas palavras, o que o estudo e a observação nos ensinaram a respeito. Essas questões repousam sobre os próprios princípios da Ciência; para dar mais clareza à solução, é necessário ter em mente esses princípios. Permiti-me, pois, considerar o assunto de um plano um pouco mais elevado, estabelecendo como preliminares certas proposições fundamentais que, aliás, servirão de respostas a algumas de vossas indagações.

Fora do mundo corporal visível existem seres invisíveis, que constituem o mundo dos Espíritos.

Os Espíritos não são seres à parte, mas as próprias almas dos que viveram na Terra ou em outras esferas, e que se despojaram de seus invólucros materiais.

Os Espíritos apresentam todos os graus de desenvolvimento intelectual e moral. Conseguintemente, os há bons e maus, esclarecidos e ignorantes, levianos, mentirosos, velhacos, hipócritas,  que procuram enganar e induzir ao mal, da mesma forma como os  há superiores em tudo, que não procuram fazer senão o bem. Essa  distinção é um ponto capital.

Os Espíritos nos rodeiam incessantemente. Sem que o saibamos, dirigem os nossos pensamentos e as nossas ações, assim influindo nos acontecimentos e nos destinos da humanidade.

Frequentemente os Espíritos atestam sua presença por meio de efeitos materiais. Tais efeitos nada têm de sobrenatural, assim nos parecendo por repousarem sobre bases que escapam às leis conhecidas da matéria. Uma vez conhecidas essas bases, o efeito entra na categoria dos fenômenos naturais. É assim que os Espíritos podem agir sobre corpos inertes e movê-los sem o concurso dos nossos agentes exteriores. Negar a existência de agentes desconhecidos pela simples razão de não os compreender seria impor limites ao poder de Deus e acreditar que a natureza nos tenha dito sua última palavra.

Todo efeito tem uma causa; ninguém o contesta. É, pois, ilógico negar a causa pelo simples fato de que é desconhecida.

Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Quando vemos o braço do telégrafo produzir sinais que correspondem ao pensamento, não concluímos que ele seja inteligente, mas sim que é movido por uma inteligência. Dá-se o mesmo com os fenômenos espíritas. Se a inteligência que os produz não é a nossa, evidentemente encontra-se fora de nós.

Nos fenômenos das ciências naturais agimos sobre a matéria e a manipulamos à vontade; nos fenômenos espíritas agimos sobre inteligências que dispõem de livre-arbítrio e não se submetem à nossa vontade. Há, pois, entre os fenômenos comuns e os fenômenos espíritas uma diferença radical quanto ao princípio, razão por que a ciência vulgar é incompetente para julgá-los.

O Espírito encarnado tem dois envoltórios: um material, que é o corpo, e outro semimaterial e indestrutível, que é o perispírito. Deixando o primeiro, o Espírito conserva o segundo, que, para ele, constitui uma espécie de corpo, mas cujas propriedades são essencialmente diferentes. Em seu estado normal o perispírito nos é invisível, embora possa tornar-se momentaneamente visível e mesmo tangível: tal é a causa do fenômeno das aparições.

Os Espíritos não são, pois, seres abstratos, indefinidos, mas seres reais e limitados, com existência própria, pensando e agindo em virtude de seu livre-arbítrio. Estão em toda parte, à nossa volta; povoam os espaços e se transportam com a rapidez do pensamento.

Os homens podem entrar em relação com os Espíritos e receber comunicações diretas por meio da escrita, da palavra e por outros meios. Estando os Espíritos ao nosso lado, ou podendo, por certos intermediários, atender ao nosso apelo, com eles podemos estabelecer comunicações continuadas, da mesma forma que um cego pode fazê-lo com as pessoas que não vê.

Certos indivíduos são mais dotados que outros de uma aptidão especial para transmitir comunicações dos Espíritos: são os médiuns. O papel do médium é o de um intérprete; é o instrumento de que se serve o Espírito. Esse instrumento pode ser mais ou menos perfeito, do que resultam comunicações mais ou menos fáceis.

Os fenômenos espíritas são de duas ordens: as manifestações físicas e materiais e as manifestações inteligentes. Os efeitos físicos são produzidos por Espíritos inferiores; os Espíritos elevados não se ocupam dessas coisas, do mesmo modo que os nossos sábios não se entregam a ações que exijam grande vigor físico: seu papel é instruir pelo raciocínio.

As comunicações tanto podem emanar de Espíritos inferiores como de Espíritos superiores. Como os homens, os Espíritos são reconhecidos por sua linguagem. A dos Espíritos superiores é sempre séria, digna, nobre e cheia de benevolência; toda expressão trivial ou inconveniente, todo pensamento que choca a razão e o bom senso, que denota orgulho, acrimônia ou malevolência, procede necessariamente de um Espírito inferior.

Os Espíritos elevados só boas coisas ensinam; sua moral é a do Evangelho; só pregam a união e a caridade e jamais se enganam. Os Espíritos inferiores dizem absurdos, mentiras e, muitas vezes, até grosserias.

A eficiência de um médium não consiste apenas na facilidade das comunicações, mas, sobretudo, na natureza das comunicações que recebe. Um bom médium é o que simpatiza com os Espíritos bons e só recebe boas comunicações.

Todos nós temos um Espírito familiar, que a nós se liga desde o nascimento, guia-nos, aconselha e protege; é sempre um Espírito bom.

Além do Espírito familiar, existem aqueles que atraímos graças à sua simpatia por nossas qualidades e defeitos ou em virtude de antigas afeições terrenas. Daí se segue que, em toda reunião, há uma multidão de Espíritos mais ou menos bons, conforme a natureza do meio.

Allan Kardec.
Revista Espírita, Janeiro de 1859.

CONTINUAÇÃO

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