À Sua Alteza o Píncipe G - continuação
Podem os Espíritos revelar o futuro?
Os Espíritos não conhecem o futuro senão em razão de sua elevação. Os inferiores nem mesmo o seu próprio futuro conhecem e, com mais forte razão, desconhecem o dos outros. Os Espíritos superiores o conhecem, mas nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Em princípio, e por um sábio desígnio da Providência, o futuro nos deve ser ocultado. Se o conhecêssemos, nosso livre-arbítrio seria tolhido. A certeza do sucesso tirar-nos-ia a vontade de fazer qualquer coisa, porque não veríamos a necessidade de nos darmos a esse trabalho; a certeza de uma desgraça nos desencorajaria. Todavia, há casos em que o conhecimento do futuro pode ser útil, embora, nessa situação, jamais possamos ser juízes. Os Espíritos no-lo revelam quando o julgam conveniente e quando têm a permissão de Deus. Então o fazem espontaneamente e não a pedido nosso. É preciso esperar com confiança a oportunidade e, sobretudo, não insistir em caso de recusa, pois, de outro modo, correríamos o risco de tratar com Espíritos levianos, que se divertem à nossa custa.
Os Espíritos podem guiar-nos por meio de conselhos diretos nas coisas da vida?
Sim, podem e o fazem de bom grado. Esses conselhos nos chegam diariamente pelos pensamentos que nos sugerem. Muitas vezes fazemos coisas cujo mérito nos atribuímos quando, na realidade, resultam apenas de uma inspiração que nos foi transmitida. Ora, como estamos rodeados de Espíritos que nos influenciam neste ou naquele sentido, temos sempre o livre-arbítrio para nos guiar na escolha; e felizes seremos se preferirmos o nosso gênio bom.
Além dos conselhos ocultos, podemos obter estes diretamente por meio de um médium, mas aqui é o caso de recordarmos os princípios fundamentais que acabamos de emitir. A primeira coisa a considerar é a qualidade do médium, se não somos nós próprios. Um médium que só boas comunicações obtém; que, por suas qualidades pessoais não simpatiza senão com os Espíritos bons, é um ser precioso, do qual podemos esperar grandes coisas, desde que o secundemos na pureza de suas próprias instruções e o utilizemos convenientemente; direi mais: é um instrumento providencial.
Não menos importante, o segundo ponto consiste na natureza dos Espíritos aos quais nos dirigimos. Não devemos crer que possamos ser guiados corretamente pelo primeiro que apareça. Aquele que visse nas comunicações espíritas apenas um meio de adivinhação e no médium um leitor de "buena-dicha" enganar-se-ia redondamente. É preciso considerar que no mundo dos Espíritos temos amigos que por nós se interessam, muito mais sinceros e devotados do que os que tomam esses títulos na Terra, e que não têm o menor interesse em nos lisonjear ou em nos enganar. São, além do nosso Espírito protetor, parentes ou pessoas a quem nos afeiçoamos quando vivas, ou Espíritos que nos querem o bem por simpatia. Quando chamados vêm de boa vontade e até mesmo quando não são chamados; muitas vezes os temos ao nosso lado, sem que o suspeitemos. Por intermédio dos médiuns podemos pedir-lhes conselhos diretos e os recebemos, mesmo espontaneamente, sem que lhos tenhamos pedido. Fazem-no sobretudo na intimidade, no silêncio, e desde que nenhuma influência estranha os venha perturbar; são, aliás, muito prudentes e, de sua parte, jamais devemos temer uma indiscrição: calam-se quando há ouvidos em demasia. Fazem-no ainda com mais prazer quando estão em frequente comunicação conosco. Como não dizem senão coisas adequadas e conforme a oportunidade, é preciso esperar a sua boa vontade e não acreditar que, à primeira vista, venham satisfazer a todos os nossos pedidos. Querem assim provar que não estão às nossas ordens.
A natureza das respostas depende muito da maneira de fazer as perguntas. É necessário aprender a conversar com os Espíritos como se aprende a conversar com os homens: em tudo é preciso experiência. Por outro lado, o hábito faz que os Espíritos se identifiquem conosco e com o médium, os fluidos se combinem e as comunicações sejam mais fáceis; então entre eles e nós estabelecem-se verdadeiras conversações familiares; o que não dizem num dia falarão noutro. Habituam-se à nossa maneira de ser, como nós à deles: ficamos reciprocamente mais à vontade. Quanto à ingerência dos Espíritos maus e dos Espíritos enganadores, o que constitui o grande escolho, a experiência nos ensina a combatê-los e podemos sempre evitá-los. Se não lhes damos atenção, eles não vêm, porque sabem que vão perder tempo.
Qual poderá ser a utilidade da propagação das ideias espíritas? – Sendo o Espiritismo a prova palpável e evidente da existência, da individualidade e da imortalidade da alma, é a destruição do materialismo, essa negação de toda religião, essa chaga de toda sociedade. O número dos materialistas que ele conduziu a ideias mais sãs é considerável e aumenta diariamente: só isso seria um benefício social. Não somente prova a existência e a imortalidade da alma, como ainda mostra o seu estado feliz ou desgraçado, conforme os méritos desta vida. As penas e recompensas futuras não são mais uma teoria, mas um fato patente aos nossos olhos. Ora, como não há religião possível sem a crença em Deus, na existência da alma e nas penas e recompensas futuras, o Espiritismo traz de volta a essas crenças as pessoas nas quais elas estavam apagadas; resulta daí que ele é o mais poderoso auxiliar das ideias religiosas: dá religião aos que não a possuem, fortifica-a naqueles em que é vacilante, consola pela certeza do futuro, faz suportar com paciência e resignação as tribulações da vida e desvia do pensamento o suicídio, ideia que naturalmente repelimos quando vemos as consequências; eis por que são felizes os que penetraram em seus mistérios. Para eles o Espiritismo é a luz que dissipa as trevas e as angústias da dúvida.
Se considerarmos agora a moral ensinada pelos Espíritos superiores, concluiremos que ela é toda evangélica; prega a caridade evangélica em toda a sua sublimidade e faz mais: mostra a sua necessidade tanto para a felicidade presente quanto para a futura, porque as consequências do bem e do mal que fazemos estão diante dos nossos olhos. Reconduzindo os homens aos sentimentos de seus deveres recíprocos, o Espiritismo neutraliza o efeito das doutrinas que subvertem a ordem social.
Não podem essas crenças representar um perigo para a razão? – Todas as ciências não forneceram o seu contingente para os hospitais de alienados? Devemos, por isso, condená-las? Não estão largamente representadas entre elas as crenças religiosas? Seria justo, por isso, proscrever a religião? Acaso conhecemos todos os loucos produzidos pelo medo ao diabo? Todas as grandes preocupações intelectuais levam à exaltação e podem reagir de maneira lastimável sobre um cérebro fraco. Teríamos razão de ver no Espiritismo um perigo especial se ele fosse a única causa ou a causa preponderante da loucura. Fez-se grande alarido a respeito de dois ou três casos que, em outras circunstâncias, não teriam merecido nenhuma atenção, ao não se levar em consideração as causas predisponentes anteriores. Poderíamos citar outros em que, bem compreendidas, as ideias espíritas poderiam deter o desenvolvimento da loucura.
Em resumo, o Espiritismo não oferece maior perigo de loucura do que as mil e uma causas que a produzem diariamente. Digo mais: oferece bem menos perigo, visto trazer em si mesmo o corretivo e, pela direção que dá às ideias e a calma que proporciona ao espírito dos que o compreendem, pode neutralizar o efeito das causas estranhas. O desespero é uma dessas causas. Ora, ao nos fazer encarar as coisas mais desagradáveis com sangue-frio e resignação, o Espiritismo atenua os funestos efeitos do desespero.
As crenças espíritas não são a consagração das ideias supersticiosas da Antiguidade e da Idade Média e, assim, não devem ser endossadas? – As pessoas sem religião não tacham de superstição a maioria das crenças religiosas? Uma ideia só é supersticiosa quando é falsa; deixa de o ser quando se torna uma verdade. Está provado que no fundo da maioria das superstições existe uma verdade amplificada e desnaturada pela imaginação. Ora, tirar dessas ideias todo o seu conteúdo fantástico e deixar apenas a realidade é destruir a superstição. Tal é o efeito da ciência espírita, que põe a nu o que há de verdadeiro e de falso nas crenças populares. Por muito tempo as aparições foram consideradas como crenças supersticiosas; hoje, que são um fato provado e, mais ainda, perfeitamente explicado, entraram no domínio dos fenômenos naturais. Por mais que as condenemos, não impediremos que continuem a produzir-se. Todavia, os que se deram conta e as compreenderam, não apenas não se apavoram como estão satisfeitos, e isso a tal ponto que aqueles que não têm essas ideias desejariam tê-las. Deixando o campo livre à imaginação, os fenômenos incompreendidos representam a fonte de uma porção de ideias acessórias, absurdas, que degeneram em superstição. Mostremos a realidade, expliquemos a causa e a imaginação se detém no limite do possível; o maravilhoso, o absurdo e o impossível desaparecem e, com eles a superstição. Tais são, dentre outras, as práticas cabalísticas, a virtude dos signos e das palavras mágicas, as fórmulas sacramentais, os amuletos, os dias nefastos, as horas diabólicas e tantas outras coisas que o Espiritismo, bem compreendido, demonstra o ridículo.
Tais são, Príncipe, as respostas que julguei adequadas às perguntas com que me honrastes. Sentir-me-ei feliz se elas puderem corroborar as ideias que Vossa Alteza já possui sobre o assunto e vos levarem a aprofundar uma questão de tão elevado interesse; mais feliz ainda se meu concurso ulterior puder ser de alguma utilidade.
Com o mais profundo respeito, sou, de Vossa Alteza,
muito humilde e muito obediente servidor.
Allan Kardec.
Revista Espírita, Janeiro de 1
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