29 novembro 2023

Tudo relativo


Quando o espírito comunicante, cheio de boa vontade, se referiu ao domicílio na vida extrafísica, Rafael, um irmão que se caracterizava pelos primores da inteligência, objetou, mordaz:
—Casas no Além? que contrassenso!…
O mensageiro, não obstante desapontado, registrou impressões da vida social no “outro mundo”.
Então, o mesmo cavalheiro ironizou sem pestanejar:
—Ora esta! sociólogos além-túmulo? era o que nos faltava.
O emissário não desanimou. Aludiu aos jardins que lhe cercavam a residência.
—Que é isso? — indagou o investigador que apreciava os sarcasmos sem fim — serão os jardins suspensos de Semíramis? qual! Tudo mera ilusão!… Depois de nossas roseiras  espinhosas e de nossos adubos desagradáveis, não há canteiros de fluidos.
A entidade perseverante reportou-se aos institutos de ensino que frequentava. No entanto, o mau obreiro deu-se pressa em considerar:
—Se os “mortos” estiverem sujeitos à luta estudantil, estamos francamente perdidos.
O comunicaste não desistiu. Passou a dizer da expectativa sublime que alimentava, aguardando a esposa querida, além do sepulcro. O companheiro irreverente, entretanto, fiz-se ouvir na mesma inflexão de zombaria:
—Deliciosa mentira! onde já se viu casamento na esfera das almas?
O portador da mensagem não desfaleceu. Comentou os problemas do corpo sutil que lhe servia, agora, à consciência. Enumerou as facilidades e os obstáculos que o defrontavam, mas o fraternal inquisidor observou, cético:
—Espírito não tem corpo, simples fantasia. Presenciamos fenômenos de puras impressões alucinatórias.
O prestimoso estafeta das boas novas, que vinha do reino espiritual, despediu-se finalmente.
Ante os colegas curiosos e inquietos o renitente analista esclarecia enfaticamente:
—Mais objetividade! Nada de ilusões! Sou um homem que sabe julgar.
Após o incidente, afastou-se do grupo de trabalhadores do bem. Afirmava-se demasiadamente realista para aceitar, sem maior exame, as descrições dos desencarnados. Situava a concepção doutrinária num campo de absoluta transcendência.
Devotados amigos, basta vezes, rogaram-lhe a volta aos estudos. Parentes interpunham recursos afetivos, a fim de que retomasse o salutar esforço da crença religiosa. Todavia, foi Rafael impermeável a todas s ponderações. Ouvia os apelos, esboçava gesto brejeiro e arremedava, um texto evangélico:
—Deem à matéria o que é da matéria e ao espírito o que do espírito. Fora disso, não compreendo a atitude de vocês.
E rematava orgulhoso de si:
Não se esqueçam que sou um homem que sabe julgar.
Veio, porém, o minuto em que foi arrebatado da vida carnal. Desalentado, aflito, estabelecia a própria identidade. Afinal — monologava para dentro — a mudança não fora tão grande. Mentalmente sentia-se o mesmo homem. E, no íntimo, não conseguia eliminar o desejo louco de regressar aos negócios, atividades e afetos que o imantavam ao campo humano. Meditava na justiça divina e buscava tranquilizar-se. Não se lembrava de haver praticado o mal com o propósito deliberado de ferir alguém não cometera crime algum. No fundo d'alma, contudo, mantinha certa inquietude. Concluíra que prejudicara a si mesmo. Não dera à observação da verdade, tanto quanto devia. Não seria razoável o retorno a zona terrestre, para intensificar indagações? Quem sabe? Talvez pudesse prover-se de melhores recursos, em benefício a paz interna.
A aproximação de iluminado mensageiro espiritual sustou-lhe a marcha dos pensamentos. Contemplou-o, esperançoso, e pediu, com respeito:
—Benfeitor divino, acudi-me!… Dizei-me onde está, a minha propriedade terrestre?
O interpelado respondeu com benevolência:
—Propriedade sua? que enorme equivoco!…
—E meu corpo físico? — interrogou Rafael, choroso.
—Seu veículo de carne, agora, meu amigo, é simples fantasia.
—Meus bens?
O emissário sorriu e ajuntou:
—Se seu tesouro não está guardado no espírito imperecível, suas vantagens do outro tempo não passavam de ilusão…
—Minhas apólices, meus títulos? Registravam-me o nome!…
—Para impressão de alguns anos — esclareceu o preposto da realidade divina.
—Meus filhos?
—Eram de Deus, primeiramente, antes de serem encaminhados a paternidade provisória.
—Minha mulher? onde esta ela? Sempre me obedeceu cegamente. Dar-se-á, o caso de haver-me abandonado também?
—Sua companheira associava-se com renúncia e bondade ao seu destino, mas nunca foi uma escrava de seus caprichos. Conserva um título de filiação celeste, tanto quanto você mesmo.
—Meu gabinete na cidade, meu sítio no campo, meus documentos, meus interesses…
—Sim, tudo para você, presentemente, é serviço feito, resíduo do passado, que persiste em deter na mente enfermiça, antes de verificar o proveito das lições que viveu no mundo…
Oh! que horror! — gritou Rafael, apavorado — como entender tudo isto? quem estará sob o domínio de simples impressões? os que partem da Terra ou os que por lá se demoram? os que “morrem” ou os que “vivem”?
O benfeitor sorriu, de novo, e concluiu:
—Consulte a própria consciência. Como sempre, você é um homem que sabe julgar… 

Espírito Irmão X (Humberto de Campos), do livro Luz Acima, psicografado por Chico Xavier.

28 novembro 2023

Ante o livre arbítrio


“Nada te admires de que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo.” JESUS, João, 3:7. 

“Não há, pois, duvidar de que sob o nome de ressurreição o princípio da reencarnação era ponto de uma dos crenças fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e as profetas confirmaram de modo formal; donde se segue que negar a reencarnação é negar as palavras do Cristo.” Cap. IV, 16. 

Surgem, aqui e ali, aqueles que negam o livre arbítrio, alegando que a pessoa no mundo é tão independente, quanto o pássaro no alçapão.
E, justificando a assertiva, mencionam a junção compulsória do espírito ao veículo carnal, os constrangimentos da parentela, as convenções sociais, as preocupações incessantes na preservação da energia corpórea, as imposições do trabalho e a obediência natural aos regulamentos constituídos para a garantia da ordem terrestre, esquecendo-se de que não há escola sem disciplina
Certamente, todos os patrimônios da civilização foram erigidos pelas criaturas que usaram a própria liberdade na exaltação do bem, no entanto, para fixar as realidades do livre arbítrio examinemos o reverso do quadro.
Reflitamos, ainda que superficialmente, em nossos irmãos menos felizes, para recolher-lhes a dolorosa lição.
Pensemos no desencanto daqueles que amontoaram moedas, por longo tempo, acumulando o suor dos semelhantes, em louvor da própria avareza, e sentem a aproximação da morte, sem migalha de luz que lhes mitigue as aflições nas trevas…  
Imaginemos o suplício dos que trocaram veneráveis encargos por fantasiosos enganos, a despertarem no crepúsculo da existência, qual se fossem arremessados, sem perceber, à secura asfixiante de escabroso deserto.
Ponderemos a tortura dos que abusaram da inteligência, reconhecendo, à margem da sepultura, os deprimentes resultados do desprezo com que espezinharam, a dignidade humana…  
Consideremos o martírio dos que desvirtuaram a fé religiosa, anulando-se no isolamento improdutivo, ao repararem, no término da estância terrestre, que apenas disputaram a esterilidade do coração.
Meditemos no remorso dos que se renderam à delinquência, hipnotizados pela falsa adoração a si mesmos, acordando abatidos e segregados no fundo das penitenciárias de sofrimento.
Ninguém pode negar que todos eles, imanizados ao cativeiro da angústia, eram livres…  
Conquanto os empeços do aprendizado na experiência física, eram livres para construir e educar, entender e servir.
Eis porque a Doutrina Espírita fulge, da atualidade, diante da mente humana, auxiliando-nos a descobrir os Estatutos Divinos, funcionando em nós próprios, no foro da consciência, a fim de aprendermos, que a liberdade de fazer o que se quer está condicionada, à liberdade de fazer o que se deve.
Estudemos os princípios da reencarnação, na lei de causa e efeito, à luz da justiça e da misericórdia de Deus e perceberemos que mesmo encarcerados agora em constringentes obrigações, estamos intimamente livres para aceitar com respeito e humildade as determinações da vida, edificando o espírito de trabalho e compreensão naqueles que nos observam e nos rodeiam, marchando, gradativamente, para a nossa emancipação integral, desde hoje.
 
Espírito Emmanuel, do Livro da Esperança, psicografado por Chico Xavier.

27 novembro 2023

Caminho da luz


Além do mundo amargo e miserando
Há na morte um caminho florescente,
Onde a alegria mora eternamente
Entre flores e pássaros cantando.

Estrada de ouro e luz ignescente,
Onde passam espíritos em bando,
Suaves corações glorificando
Os triunfos da lágrima pungente.

Nesse caminho, as almas vencedoras
Guardam consigo as joias da ventura,
Sem que os séculos possam desfazê-las.

Esplendores de sóis, clarões de auroras,
Flores de amor e paz risonha e pura,
Há nessa estrada fúlgida de estrelas!…

Espírito Olavo Bilac, do livro Lira Imortal, psicografado por Chico Xavier.

26 novembro 2023

Na luta contra a morte


Anos a fio gastou Pasteur na preparação da vacina contra a raiva. O grande sábio observava camponeses e citadinos vitimados pela hidrofobia e, aliando à perseverança o trabalho, venceu o flagelo, convertendo-se em benfeitor da Humanidade. Edison lutou contra a velha iluminação a gás, a fim de expulsar efetivamente as sombras noturnas. Suou, esforçou-se, sofreu decepções e desenganos; muita vez conheceu a iminência do soçobro de seus ideais. Contudo, terminou a batalha, conquistando a lâmpada incandescente, que transformou as cidades terrestres em paraísos de luz.
A história das grandes missões de benemerência no mundo está repleta de sofrimentos e desilusões. Não raro, torturam-se os missionários, quando não se pode consumi-los pelo fogo. Onde, porém, a conquista evolutiva se torna mais difícil e dolorosa é justamente no setor da renovação íntima, espiritual. A vaidade humana fez da religião um terreno proibido, onde toda expressão progressista se efetua ao preço de dobradas angústias. A Ciência e a Filosofia, sem dúvida, possuem os seus mártires. No entanto, em suas escolas há sempre lugar para os trabalhos de aperfeiçoamento e renovação. Seus benfeitores, na maioria das vezes, são objeto de críticas acerbas que não passam, quase sempre, de ironias verbais ou do ostracismo na classe a que pertencem, mas, no campo religioso, os movimentos de perseguição caracterizam-se por condenável insânia.
Não fosse o aprimoramento judiciário do mundo, não tivéssemos a sociologia inspirando tribunais e juízes, na vanguarda do direito, e talvez prosseguisse a matança religiosa, decorrente dos processos inquisitoriais. Basta que o estudante da verdade aviste pequenino detalhe do mapa da vida eterna para que milhares de sacerdotes e autoridades supostas infalíveis se convertam nos instrumentos de maldição.
É preciso muita coragem moral para não sucumbir aos golpes da guerra sistemática, movida na sombra.
Para não nos referirmos, fastidiosamente, aos mártires inúmeros da fé, que tombaram nas perseguições de todas as épocas, recordemo-nos tão só de Giordano Bruno. O eminente filósofo italiano, que convivera com o pensamento de Pitágoras e Plotino, desde a meninice, assombrando os clérigos do convento de dominicanos, a que se recolhera na preparação do seu ministério de renovação religiosa, desprezou as resoluções dos concílios, cristalizadas em dogmas aviltantes, para ensinar o caminho da nova era. Através de salões e universidades, tribunas e praças públicas, afirma Bruno que o Universo é ilimitado, que a Terra não é o centro da vida, mas humilde dependência no concerto glorioso dos mundos que rolam, inumeráveis, no plano universal. Esclarece que o Sol não é um corpo errante, entre as nuvens, com a simples função de aclarar a superfície planetária e sim a gigantesca sede de globos diversos, que lhe recebem o poderoso influxo renovador. Explica que a vida é infinita e se encarna, através de infinitas formas, em todos os lugares. Exalta a grandeza da existência posta ao serviço do bem e da verdade, glorificando, em tudo, a universalidade divina. Mas os sacerdotes da convenção estabelecida não toleram o herói e, no dia 17 de fevereiro de 1600, seu corpo foi reduzido a cinzas, em Roma, numa fogueira acesa pelo sectarismo intransigente. Assegura um de seus historiadores que as chamas que lhe destruíram o corpo foram os primeiros sinais da aurora dos tempos modernos.
Não nos referimos, porém, a isso, como quem pretende encetar novos movimentos de discussão. Para dificultar o acesso das almas à Fonte da Revelação Divina, bastam as polêmicas insidiosas dos homens, despreocupados da responsabilidade que assumem pelo que dizem.
Apenas reafirmamos, do plano espiritual, a nossa plataforma de serviço, na luta contra a morte.
Nos mais remotos recantos do globo surgem raios divinos da luz imortal, dentro da espessa noite da ignorância, destruindo as antigas muralhas de incompreensão que sitiam a inteligência das criaturas. O sacerdócio organizado, porém, não nos tolera as manifestações tendentes a efetuar a renovação religiosa do mundo. E porque não nos pode subtrair agora à liberdade que respiramos noutras dimensões, institui a represália fria e silenciosa contra os nossos companheiros mais corajosos que ainda envergam a túnica de carne nas atividades terrenas. O Santo Ofício desapareceu, mas ficaram a ironia e o ridículo, a animosidade gratuita e a guerra sem declaração.
Apesar de tudo isso, porém, continuaremos em nossa obra de liberação da mente humana.
Nossos adversários do sectarismo religioso recordam o nome do Cristo, amparando-se nele para sustentar as posições políticas e sociais que retêm, a pretexto de manter o prestígio da religião. Suscitam escândalos, reclamam repressões, mobilizam contra nós os órgãos do poder temporal. Como, porém, instituir oposição ao realismo da vida eterna, se a verdade é o terreno legal do Universo? Em nome de Jesus, recorrem à injúria e à condenação, mas se esquecem de que o Mestre, além das lições da Manjedoura, do Templo, do Tabor, do Getsemani e do Gólgota, deixou-nos também o ensinamento do Túmulo Vazio.
Que eles, os sacerdotes cristalizados nas afirmativas dogmáticas, prossigam em seu ministério de condutores; colherão sempre o bem toda vez que atenderem ao serviço da iluminação coletiva, em obediência aos deveres que lhes competem. Quanto a nós, os desencarnados, continuaremos a campanha do Túmulo Vazio. Que eles procurem, de fato, honrar a vida, porque nós, desprezando todos os obstáculos, venceremos na gigantesca luta contra a morte!

Espírito Irmão X (Humberto de Campos), do livro Lázaro Redivivo, psicografado por Chico Xavier.

25 novembro 2023

No grande adeus


Cerraste os olhos dos entes amados, orvalhando-lhes o rosto inerte com as lágrimas que te corriam da ternura despedaçada, e inquiriste, sem palavras, para onde se dirigiam no grande silêncio.
Disseste adeus, procurando debalde aquecer-lhes as mãos frias, desfalecentes nas tuas, e colaste neles o ouvido atento, no peito hirto, indagando do coração prostrado a razão porque parou de bater.
Entretanto, o vaso impassível nada pode informar, quanto à destinação do perfume.

Ergue as antenas da prece, no santuário da tua alma, e perceberás o verbo inarticulado dos que partiram…
Saberás, então, que te comungam a dor, estendendo-te as mãos ansiosas. Arrojados à vida nova, querem dizer-te que ressurgiram. Extasiados, perante o sol que a imortalidade lhes apresenta, suspiram por transfundir a saudade e o amor, no cálice da esperança, para que não desfaleças.
Libertos do cárcere em que ainda te encontras, rogam-te paz e conformação, para que possam, enfim, demandar a renascente manhã que lhes acena dos cimos…
Não lhes craves nos ombros a cruz da aflição, nem lhes turves a mente, no nevoeiro de pranto que te verte da angústia.

Honra-lhes a memória, abraçando os deveres que te legaram, e ajuda-os para que avancem com a tua bênção, de modo a te prepararem lugar, na pátria comum, em que todos nos reuniremos um dia.
São agora companheiros que te pedem fidelidade e consolo para que te confortem, à maneira da árvore que solicita a rega da fonte a fim de preservar-se contra a secura.
Ante o fel da separação, trabalha com paciência e confia neles!…  E quando a agonia da suposta distância te constrinja os refolhos do espírito, deixa que eles próprios te falem ao pensamento, sob a luz da oração.

Espírito Emmanuel, do livro Justiça Divina, psicografado por Chico Xavier.