Boa romaria faz quem em casa fica em paz

Transcrevemos abaixo um Caso relatado pelo próprio Dr. Bezerra num de seus livros e que reflete um bom exemplo para aqueles, principalmente os moços, que não sabem se resignar quando têm à frente caminhos rudes, situação financeira aflitiva e se desesperam e tomam atitudes de consequências funestas. Bezerra, em plena mocidade, teve também seus desejos, sonhou com vestes novas, mesmo alugadas, para ir a uma solenidade e soube resignar-se às suas tentações.
Ouçamo-lo:
“O que me valia era o alfaiate, a quem pagava um tanto por mês pela roupa que lhe mandava fazer e que, por minha pontualidade no pagamento, me supria, de vez em quando, nos meus maiores apuros, uns vinte ou trinta mil réis, que nunca mais do que isso lhe pedi. Mas agora precisava de cinquenta, pois tinha que comprar botinas e chapéu e alugar, ida e volta, um rocinante. Oh, como me batia o coração à ideia do homem abanar-me a cabeça Além do vexame, o pesar de não ir à festa do Cardoso, em casa do Tio Anselmo, onde já via, pelo pensamento, brilharem duas estrelas, os olhos da prima Gertrudinha. Só esta perspectiva me decidiu na tremenda luta de ir ou não ir ao meu banqueiro. À porta, ia recuar, entendendo que era melhor não me expor a uma vergonha e, mesmo, na melhor hipótese, não contrair uma dívida que me cativaria por muito tempo... Mas o caixeiro, que me conhecia, veio a mim saber o que queria. “Alea jacta est”. Vencer ou morrer. Perguntei-lhe: O Sr. Faria está? Respondeu-me ele:
Embarcou ontem para a Europa, mas se precisar de alguma coisa, está aí o contramestre. Foi uma punhalada que me dissipou as fumaças de flamejar no Itaboraí; mas foi ao mesmo tempo um calmante para minha agitação, quer de passar por uma vergonha, quer de contrair uma dívida que é sempre um cancro, de que poucos, quando se tornam em hábito, se salvam. Dever, para quem se presa, é sempre uma escravidão moral que se não resgata senão por sacrifício e que perturba a alma durante toda a sua permanência. Dei costas à casa, onde ia prender grande parte de meu futuro, porque cinquenta mil réis, para mim, eram tanto como cinquenta contos para outros. Voltei mais alegre do que triste, lembrando-me do que ouvi da minha mãe: “Boa romaria faz quem em casa fica em paz”.

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