O Grupo Confucius

A morte súbita de Kardec deixara o Espiritismo sem chefe e os pretendentes ao cargo apareceram em todos os pontos, dividindo, subdividindo, e retalhando as opiniões (*). Todos queriam uma união dos espíritas em torno dum centro diretor. Todos, porém, queriam ser esse centro. O rebanho sem chefe começara desde cedo a debandar e em torno da herança moral de Kardec esvoaçavam as aves de rapina. O Brasil refletia a mesma divergência e competição. Pareceu, por isso, a alguns oportuno criar, no Rio de Janeiro, um núcleo regular para dirigir o Espiritismo e orientar a propaganda. Essa sociedade, fundada em 2 de agosto de 1873, com estatutos impressos e notícias pela imprensa nacional e estrangeira, inclusive em Paris, tomou o nome de Grupo Confucius. Não era uma homenagem ao grande filósofo chinês, mas a um Espírito, que vinha desde algum tempo, nos trabalhos particulares do Dr. Sequeira Dias, ensinando elevados princípios de moral. Na organização dessa primeira entidade jurídica do Espiritismo no Brasil entrou o elemento homeopático com preponderância. Alguns de seus membros tornaram-se mesmo, com o tempo, notáveis médiuns curadores, que só empregavam a homeopatia. Eis sua primeira diretoria: Dr. Sequeira Dias, presidente; Dr. Silva Neto, vice-presidente; Dr. Joaquim Carlos Travassos, secretário geral, Sr. Eugenio Boule, 2° secretário; Sr. Marcondes Pestana, 3° secretário; professor Casimir Lieutaud, tesoureiro; Dr. Bittencourt Sampaio, Madame Perret-Collard e Madame Rosa Molteno, membros do Conselho Fiscal. A divisa da sociedade era: "Sem caridade não há salvação". 
Uma das formas de caridade era curar pela homeopatia. Ainda nesta fase, continuava, do mundo Invisível, o apostolado de João Vicente Martins, falecido em 1854, e Mure, em 1858. 
(*) - Justamente ao comentar o 1º número de O Eco de Além-Túmulo, a Revue Spirite mostrou a nova orientação anti-kardecista, que adotava, no próprio ano da morte de Kardec: "Segundo nós, o Espiritismo não deve ficar uma filosofia tolerante e progressista, abrindo os braços a todos os deserdados, qualquer que seja a nacionalidade e a convicção a que pertençam." O Eco defendia o Espiritismo cristão. (Revue Spirite, vol. 12, pág. 349).

As principais receitas espíritas daquele tempo e durante muito tempo ainda eram inspiradas por Martins e Bento Mure. Nas preces dos médiuns, como o autor deste livro ainda alcançou, eram evocados esses dois nomes conjuntamente com o de outros Espíritos.

Pelo Grupo Confucius, na sua curta existência de menos de três anos, passaram quase todos os curiosos e crentes da época e muitos vieram de longe.
A ele deve o Espiritismo brasileiro três serviços inestimáveis: a primeira tradução das obras de Kardec; a primeira assistência gratuita homeopática; a primeira revelação do nome do guia do Espiritismo no Brasil.
Bezerra, que não era crente, nem curioso, não passou por ele. Mas Travassos, que havia empreendido a primeira tradução das obras de Kardec e levara a tarefa a bom termo, logo que saiu do prelo O Livro dos Espíritos, levou um exemplar ao deputado Bezerra, entregando-lhe, com dedicatória. 
"Deu-mo na cidade e eu morava na Tijuca, a uma hora de viagem em bonde. Embarquei com o livro e, como não tinha distração para a longa viagem, disse comigo: ora, adeus! Não hei de ir para o inferno por ler isto... Depois, é ridículo confessar-me ignorante desta filosofia, quando tenho estudado todas as escolas filosóficas. Pensando assim, abri o livro e prendi-me a ele, como acontece com a Bíblia. Lia. Mas não encontrava nada que fosse novo para meu Espírito. Entretanto tudo aquilo era novo para mim!... Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se achava em O Livro dos Espíritos... Preocupei-me seriamente com este fato maravilhoso e a mim mesmo dizia: parece que eu era espírita inconsciente, ou, como se diz vulgarmente, de nascença"… (Reformador, 15 de julho de 1892)

O Grupo Confucius era espiritista puro. O art. 28 dos estatutos adotava somente O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns. Os kardecistas principiaram a reclamar. Achavam que o Espiritismo puro, sem o kardecismo, não vingaria no meio popular, numa nação visceralmente cristã. A melhor propaganda devia ser calcada no Cristianismo. Apoiado no Evangelho, na moral de Jesus, no kardecismo enfim, o êxito seria uma questão de tempo. Essa opinião era tratada com calor. Os kardecistas queriam fechá-la. O "Guia" procurava a conciliação no terreno puramente espírita:

"Nossa missão, como a vossa, é de virmos ao encontro da boa vontade. Cristo disse: “Quando vos reunirdes em meu nome, estarei no meio de vós”. A nós, que não somos o Mestre, cumpre o dever de assistir-vos, encorajar-vos e dizer-vos: Homens de boa vontade, que a fé, a caridade, a união animem vossos corações, para que os bons Espíritos sejam convosco. Animados desses sentimentos, que a todos almejamos, vereis aumentar as vossas forças, locupletar os meios de fazer o bem. E se tiverdes humildade para reconhecer que estes fatos são dons de nosso Pai e não o efeito de vossa personalidade, as bênçãos descerão sobre vós e tereis a glória de haver colocado a mão na obra de regeneração, aplicando a lei do progresso. Coragem, fé, perseverança e seremos sempre convosco. Confucius." 
O Espírito Kardec explicava: "Trabalhar na vinha do Senhor é levar aos vossos irmãos a coragem, a consolação, a resignação e sobretudo a esperança, quando encarnados, e indicar, aos desencarnados, a via da felicidade que perderam. Trabalhai sem cessar e sereis assistidos, esclarecidos e abençoados".
Mas o Espírito, a quem todos rendiam homenagem, em quem o próprio Confucius e o próprio Kardec, para só falar dos grandes, reconheciam um missionário para o Brasil, parecia apoiar os kardecistas. Em suas raras e preciosas mensagens, repetia sempre: O Brasil tem a missão de cristianizar. É a terra da promissão. A terra de todos. A terra da fraternidade. A terra de Jesus. A terra do Evangelho. Não foi por acaso que tomou o nome de Vera Cruz, de Santa Cruz. Não foi por casualidade que recebeu desde o berço o leite da religião cristã.
Não foi sem significação que a viram os primeiros navegadores debaixo do Cruzeiro do Sul. Na Era Nova e próxima, abrigará um povo diferente pelos costumes cristãos. Cumpre ao que ora ouve os arautos do Espaço, que convocam os homens de boa vontade para o preparo da Nova Era, reconhecer em Jesus o chefe espiritual. Com o Evangelho explicado à luz do Espiritismo, a moral de Jesus, semeada pelos jesuítas e alimentada pelos católicos, atingirá a sua finalidade, que é rejuvenescer os homens velhos, que aqui nascerão ou para aqui virão de todos os pontos do globo, cansados de lutas fratricidas e sedentos de confraternidade. A missão dos espíritas no Brasil é divulgar o Evangelho em espírito e verdade. Os que quiserem bem cumprir o dever, a que se obrigaram antes de nascer, deverão, pois, reunir-se debaixo deste pálio trinário: Deus, Cristo e Caridade. "Onde estiver esta bandeira, ai estarei eu — Ismael". (Cada vez mais no Brasil, seguimos esta orientação, lutando pela prevalência do Espiritismo Religioso.)
Em vez de união e harmonia foi a divisão e a discórdia, que surgiram, enfraquecendo o Grupo, para o extinguir em menos três anos. Os kardecistas o foram abandonando e fundando, nos próprios lares, ou em certos lares, grupos particulares para o estudo exclusivo de O Evangelho segundo o Espiritismo.
Em 26 de abril de 1876 um grande número fundou a primeira sociedade evangélica regular denominada "Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade". Um dos chefes, Bittencourt Sampaio, presidia os trabalhos e receitava homeopatia sob inspiração. No dia 11 de setembro de 1878, o advogado Antônio Luiz Sayão, vendo moribunda e desenganada a esposa, resolveu acompanhar Cândido de Mendonça até Bittencourt para pedir uma receita aos Espíritos. A homeopatia indicada curou-lhe a mulher em pouco tempo e conquistou para o kardecismo um dos seus maiores valores. Contemporânea da de Kardec, a obra de Roustaing já era estudada aqui. Bittencourt era rustanista e Sayão se tornou o seu melhor discípulo. Não havia ainda a fronteira entre kardecista e rustanista.

Muitos elementos bons a homeopatia espírita conquistou para o Espiritismo. E maus, também.
Houve um homem, que chamaremos por professor T., a quem coube o papel de opositor dos planos de Ismael. Conhecemo-lo já bastante velho e alquebrado, mas ainda no posto infeliz que o destino lhe reservara. Não queremos crer que agisse só pela força de seus sentimentos. Atuou antes como médium do escândalo necessário. O professor T foi durante toda a vida o médium do escândalo para os kardecistas. Inteligente, ativo, operoso, conhecendo suficientemente o Espiritismo, possuindo uma esposa com faculdades mediúnicas notáveis, pôde, pelo maravilhoso que fazia, arrastar muitos incautos. Foi Bezerra de Menezes quem combateu e venceu, usando para isso duma violência inusitada nos arraiais espíritas, como veremos. A "Sociedade Deus, Cristo e Caridade" agasalhou, em seu redil, esse terrível lobo e o resultado foi a separação entre "místicos" e "científicos", onde só deveram existir cristãos espíritas. Os "místicos" abandonaram-na e foram fundar, em 2 de março de 1880, a "Sociedade Espírita Fraternidade", levando consigo, segundo diziam, o estandarte de Ismael. Queriam, portanto, ser o centro diretor do Espiritismo brasileiro, do qual Ismael era considerado o chefe espiritual.

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