Federação Espírita Brasileira
Encontraram-se no dia seguinte, 2 de janeiro, e aclamaram-se primeiro diretório (Quadros, Figueira, Silveira Pinto, Xavier Pinheiro e Elias).
Assentaram, outrossim, que o Reformador passaria a ser órgão da Federação, de 15 de janeiro em diante. Marcaram, ainda, o prazo de sessenta dias para a adesão dos que quisessem figurar no Quadro dos Fundadores e fixaram o dia 9 de janeiro para a primeira sessão. Nesta, foi tomada uma resolução que estava fadada a ser o golpe mais feliz da iniciativa: "Comunicar às Associações Espíritas estrangeiras a fundação da sociedade". Isso assegurou desde logo à Federação uma hegemonia, que ainda mantém. Insistia-se, portanto, na fracassada aspiração do Grupo Confucius e criava-se uma sociedade com o mesmo objetivo da União.
Embora amigo de todos os diretores, Bezerra de Menezes não quis inscrever-se entre os fundadores. Sua hora avizinhava-se, não tinha, porém, soado. O campo, em que semearia depois até a morte, era aquele, mas ainda estava em preparo. Os pioneiros, os desbravadores, não faziam senão iniciar o trabalho, que a ele caberia completar. Reuniam, na inconsciência dos que obedecem aos desígnios divinos, os materiais necessários ao chefe. Elias levara para o campo a sua ferramenta: o Reformador; Pinheiro Guedes, a sua, a homeopatia; Quadros, a sua esperança geral de harmonia; Figueira, a sua intuição que está no nome da sociedade. Essas dádivas de primeira hora seriam nas mãos de Bezerra de Menezes os elementos da vitória e ainda o são hoje da sua conservação.
Não bastavam, entretanto, as ferramentas. O primeiro ano foi de aliciamento de trabalhadores. O nome da sociedade fora escolhido com o sentido usual de aliança de grupos, tal como, desde o ano anterior, se empregava na França e na Inglaterra; mas os grupos eram, afinal de contas, as pessoas dos respectivos chefes. Reunidas estas, a adesão dos grupos seria a consequência natural. No segundo ano começou a colheita.
Em 23 de janeiro de 1885, aderiu o primeiro grupo: o "Grupo Espírita Menezes". Houve uma sessão solene: "O fato, que hoje celebramos, é uma esplêndida vitória, digna de figurar nos anais de nossa sociedade e vem trazer-nos uma animação segura para continuarmos na marcha encetada" (Reformador, 15 de Fevereiro de 1885).
Logo em seguida, principiou o Presidente Quadros a primeira série de conferências públicas. Por este sistema de propaganda conseguiu-se, nesse ano, o concurso de elementos prestigiosos na sociedade fluminense, que eram simpatizantes, mas se conservavam retraídos: Dr. Francisco de Menezes Dias da Cruz, o grande homeopata, ainda vivo (18 Desencarnado a 30 de outubro de 1937). O Dr. Castro Lopes, o filólogo, o homeopata, o escritor estimado. E muitos outros. A conferência de Dias da Cruz, em novembro de 1885, foi legítimo sucesso espírita. Não menor foi a de Castro Lopes em dezembro do mesmo ano.
O público apreciava a palavra graciosa e erudita deste humanista. No mês anterior, ele proferira uma conferência científica, no Instituto Politécnico, diante do Imperador D. Pedro II e de um auditório seleto. Como era de esperar, o anúncio de uma conferência, agora espiritista, pelo mesmo homem de letras arrastou à Federação uma assistência incomum. Para comportar maior número de ouvintes, o Presidente Quadros resolveu que as seguintes conferências se realizassem de então por diante numa sala mais vasta.
Fora uma inspiração. Por notável que haja sido a segunda conferência de Castro Lopes, em 1° de julho de 1886, no amplo salão da Guarda Velha à rua Senador Dantas, não se pode compará-la, no êxito social, na retumbância da opinião pública, na celeuma que levantou em todos os arraiais cariocas, em todo os círculos, principalmente políticos, na sociedade médica e na Igreja Católica, ao acontecimento verdadeiramente extraordinário, que se registrou no dia 16 de agosto de 1886.
"Um auditório de cerca de duas mil pessoas da melhor sociedade" (Reformador, 1886) enchia a sala de honra da Guarda Velha para ouvir em silêncio, emocionado, atônito, a palavra de ouro do eminente político, do eminente médico, do eminente cidadão, do eminente católico, Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, que proclamava aos quatro ventos a sua adesão ao Espiritismo.
Desde esse memorável dia, o kardecismo passou a ter um chefe no Brasil.
Espíritas, kardecistas e rustanistas ficaram contentes. A imprensa registrara o acontecimento como um sinal de tempos novos. O telégrafo transmitiu a notícia aos Estados. As livrarias venderam maior número de livros espíritas. A Federação cresceu em adesões. O círculo católico agitou-se e o Dr. Manoel Soares da Silva Bezerra, interpretando-lhe o desgosto, escreveu a Bezerra uma carta amarga, a que não tardou a resposta: esse primor publicado pela Federação, em 1920, com o título "Valioso Autógrafo". Passado o estupor os ataques principiaram e também as réplicas: "Outro disse, no mesmo tom ex cathedra que eu, fazendo uma conferência espírita, perdi 25% de minha influência política". A outro: "Sei por que afirmo. Sabem por que negam os que me fazem um baldão de ser espírita? Se há um só que tenha feito experiências e colhido fatos contra o que afirmo, apareça, seguro como deve estar de seu triunfo. Mas qual! Assim concluiu um artigo: "E eis, ainda uma vez, o que são os nossos sábios!". E principiou outro: "O que são os nossos teólogos". Neste, emitiu uma verdade, que sustentamos e desejamos focalizar: "A única divergência que há entre o Espiritismo e o Cristianismo consiste no princípio, aceito pelos grandes vultos de todos os tempos: a pluralidade das existências". (Reformador, 1887). (*) Bezerra de Menezes levou, portanto, cerca de dez anos aprofundando os seus conhecimentos espíritas antes de entrar na liça de peito a descoberto.
Durante esse tempo não se preocupou com a parte experimental, não procurou nenhuma prova para sua crença. Era um kardecista pelo raciocínio. O espírita geralmente adquire a fé após o fato. Foi para o trabalho prático, não para consolidar a fé, sim para fazer o bem. Nada o impressionara mais do que a faculdade mediúnica de João Gonçalves do Nascimento, homeopata espírita notável, cujos diagnósticos e curas trouxeram ao Espiritismo um sem número de adeptos. Considerava o mais impressionante dos fatos, que tivera até agosto de 1892, o diagnóstico de sua dispepsia, feito por Nascimento num papel onde estava apenas escrito:
"Adolfo, tantos anos, Tijuca," entregue ao médium por Maia Lacerda sem mais qualquer detalhe verbal. Foi pela primeira vez a um "trabalho prático" para pedir a assistência dos Espíritos a um obsediado. Levara-o o desejo do bem, não a curiosidade.
Ninguém, entretanto, foi para a linha de frente com maior convicção. Tão grande era ela, que os "científicos" não tardaram a denominá-lo o primeiro dos "místicos".
(*) - Nota da Editora: Discordamos desta expressão, pois a doutrina cristã também consagra a lei da reencarnação. Nos Evangelhos deparamos com várias passagens nas quais Jesus Cristo corrobora a pluralidade das existências.