11 fevereiro 2024

Uma conversão


A evocação seguinte não desperta menor interesse, embora sob um outro ponto de vista.
Um senhor, que designaremos sob o nome de Georges, farmacêutico numa cidade do sul, havia perdido o pai há pouco tempo, objeto de toda a sua ternura e de uma profunda veneração.
O pai do Sr. Georges aliava a uma instrução muito vasta todas as qualidades que distinguem o homem de bem, embora professasse opiniões muito materialistas. A esse respeito o filho partilhava e até mesmo excedia as ideias do pai; duvidava de tudo, de Deus, da alma, da vida futura. O Espiritismo não poderia reconhecer como verdadeiros tais pensamentos. Todavia, a leitura de O Livro dos Espíritos produziu nele uma certa reação, corroborada por uma entrevista direta que tivemos com ele. “Se meu pai – disse – pudesse responder-me, não duvidaria mais.”
Foi então que ocorreu a evocação que iremos relatar e na qual encontraremos mais de um ensinamento:
 
– Em nome do Todo-Poderoso, peço se manifeste o Espírito de meu pai.
Estais perto de mim?
“Sim”.
– Por que não vos manifestastes diretamente a mim, quando tanto nos amamos?
“Mais tarde”.
– Poderemos nos reencontrar um dia?
“Sim, breve”.
– Haveremos de nos amar, como nesta vida?
“Mais”.
– Em que meio estais?
“Sou feliz”.
– Estais reencarnado ou errante?
“Errante por pouco tempo”.
– Que sensação experimentastes quando deixastes vosso invólucro corporal?
“Perturbação”.
– Quanto tempo durou essa perturbação?
“Pouco para mim; bastante para ti”.
– Podeis avaliar a duração dessa perturbação conforme nossa maneira de contar?
“Dez anos para ti, dez minutos para mim”.
– Mas, não se passou esse tempo todo desde que vos perdi; não há somente quatro meses?
“Se estivesses em meu lugar, terias sentido esse tempo”.
– Acreditais agora em um Deus justo e bom?
“Sim”. –
Acreditáveis nele quando estáveis na Terra?
“Eu tinha a presciência, mas não acreditava nele”.
– Deus é Todo-Poderoso?
“Não me elevei até Ele para avaliar a sua força; somente Ele conhece os limites de seu poder, porque só Ele é seu igual”.
– Ocupa-se Ele dos homens?
“Sim”.
– Seremos punidos ou recompensados conforme nossos atos?
“Se fazes o mal, sofrer-lhe-ás as consequências.”
– Serei recompensado se fizer o bem?
“Avançarás na tua rota”.
– Estou no caminho certo?
“Faze o bem e nele estarás”.
– Acredito ser bom, mas estaria melhor se um dia, como recompensa, vos encontrasse.
“Que esse pensamento te sustente e te encoraje”!
– Meu filho será bom como seu avô?
“Desenvolve suas virtudes, abafa seus vícios”.
– Custo a crer que estamos nos comunicando, tão maravilhoso me parece este momento.
“De onde provém tua dúvida?”
– De que, partilhando vossas opiniões filosóficas, fui levado a tudo atribuir à matéria.
“Vês de noite o que vês de dia?”
– Estou, pois, nas trevas, meu pai?
“Sim”.
– Que vedes de mais maravilhoso?
“Explica-te melhor”.
– Reencontrastes minha mãe, minha irmã e Ana, a boa Ana?
“Eu as revi”.
– Vede-as quando quiserdes?
“Sim”.
– Achais penoso ou agradável que me comunique convosco?
“Para mim é uma felicidade, se posso te conduzir ao bem”.
– Voltando para casa, o que poderia fazer para comunicar-me convosco, o que me faz tão feliz? Isso serviria para conduzir-me melhor e me ajudaria a melhor educar os meus filhos.
“Cada vez que um impulso te conduzir ao bem, sou eu; serei eu a inspirar-te.”
– Calo-me, com receio de importunar-vos.
“Se queres ainda, fala”.
– Visto que permitis, dirigir-vos-ei ainda algumas perguntas. De que afecção morrestes?
“Minha prova havia alcançado seu termo”.
– Onde contraístes o abscesso pulmonar que se manifestou?
“Pouco importa; o corpo nada é; o Espírito é tudo”.
– Qual a natureza da doença que me desperta tão frequentemente, à noite?
“Sabê-lo-ás mais tarde”.
– Considero grave minha afecção, e queria viver ainda para os meus filhos.
“Ela não o é; o coração do homem é uma máquina de vida; deixa a natureza agir”.
– Visto que estais presente aqui, sob que forma vos apresentais?
“Sob a aparência de minha forma corpórea”.
– Estais em um local determinado?
“Sim, atrás de Ermance” (a médium).
– Poderíeis tornar-vos visível a nós?
“Para quê? Teríeis medo”.
– Vede-nos todos, aqui reunidos?
“Sim”.
– Tendes uma opinião de cada um de nós?
“Sim”.
– Poderíeis dizer-nos alguma coisa?
“Em que sentido me fazes essa pergunta?”
– Do ponto de vista moral.
“De outra vez; por hoje é bastante”.

O efeito produzido no Sr. Georges por essa comunicação foi imenso; uma luz inteiramente nova já parecia clarear-lhe as ideias; uma sessão que houve no dia seguinte, na casa da Sra. Roger, sonâmbula, terminou por dissipar as poucas dúvidas que lhe restavam. Eis um resumo da carta que, a respeito, nos escreveu:

“Essa senhora entrou espontaneamente em detalhes comigo, tão precisos, com respeito a meu pai, minha mãe, meus filhos, minha saúde; descreveu todas as circunstâncias de minha vida com tal precisão, relembrando mesmo certos fatos que há longo tempo se me haviam apagado da memória; numa palavra, deu-me provas tão patentes dessa faculdade maravilhosa da qual são dotados os sonâmbulos lúcidos, que a reação das ideias foi completa em mim desde esse momento. Na evocação, meu pai havia revelado a sua presença; na sessão sonambúlica eu era, a bem-dizer, testemunha ocular da vida extracorpórea, da vida da alma. Para descrever com tanta minúcia e exatidão, e a duas centenas de léguas de distância, o que de mim somente era conhecido, era preciso ver; ora, uma vez que isso não era possível com os olhos do corpo, haveria, portanto, um laço misterioso, invisível, que ligava a sonâmbula às pessoas e às coisas ausentes, e que ela jamais tinha visto; havia, pois, algo fora da matéria; o que poderia ser esse algo, senão aquilo que se chama alma, o ser inteligente, do qual o corpo é apenas o invólucro, mas cuja ação se estende muito além de nossa esfera de ação?”

Hoje, não somente o Sr. Georges deixou de ser materialista, como é um dos mais fervorosos e zelosos adeptos do Espiritismo, o que o faz duplamente feliz, pela confiança que o futuro agora lhe inspira e pelo prazer que experimenta em praticar o bem.

Essa evocação, bem simples à primeira vista, não é menos notável em muitos aspectos. O caráter do Sr. Georges, pai, reflete-se nas respostas breves e sentenciosas que estavam em seus hábitos; falava pouco, jamais dizia uma palavra inútil; não é mais o séptico que fala: reconhece seu erro; seu Espírito é mais livre, mais clarividente, retratando a unidade e o poder de Deus por estas admiráveis palavras: Só Ele é seu igual; aquele que em vida referia tudo à matéria, diz agora: O corpo nada é, o Espírito é tudo; e esta outra frase sublime: Vês à noite o que vês de dia? Para o observador atento tudo tem uma importância, e é assim que a cada passo encontra a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos Espíritos.

Allan Kardec,
Revista Espírita, janeiro de 1858.

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