19 julho 2021

​ Poema de uma alma


Numa região alcatifada de luminosas neblinas, o Anjo da Redenção recebia as almas que regressavam da Terra, mostrando-lhes nos firmamentos constelados os sóis que enchiam de melodia e luminosidade o abismo do Universo.

Um dos egressos do mundo terreno aproximou-se-lhe, exclamando em soluços:

– Anjo Salvador, venho da Terra como um náufrago desvalido!…  Ouro e honrarias não me deram a paz ambicionada! Estou só com a minha consciência dilacerada; que fazer, ó mensageiro da redenção, para alcançar aqueles páramos radiosos de ventura que nos aponta a tua mão resplandecente?… 

– Filho – replicou-lhe com bondade – a solidão em que te achas foi criada pelo teu egoísmo…  aquelas mansões de alegria, onde entrevês a felicidade intraduzível, são conquistadas com o que se faz em bem dos outros… 

Escuta-me! A terra ainda é a região dos resgates penosos; milhões de seres lá sofrem e choram, lutam e desfalecem. Volta a esse mundo e prende-te às suas leis. Come do seu pão e sofre-lhe as iniquidades! Labora na grande oficina da abnegação e do sacrifício.

Lá encontrarás ciladas tentadoras, mas estarás em temporário olvido para que se valorize o teu esforço.

Não te esqueças de amar aos teus semelhantes com o esquecimento dos teus próprios interesses, e quando alcançares o absoluto desprendimento da matéria, terás o poder de criar as tuas próprias asas!…  Conhecerás então as belezas universais e conhecerás as flores sublimes dos paramos siderais quando se sabe plantar as sementes da renúncia no solo ingrato da Terra!… 

A Alma então animada, resoluta, atirou-se ao círculo das reencarnações benfazejas.

Inúmeras vezes fracassou no caminho fácil das tentações. O Demônio da Sexualidade, a Ambição do Ouro, Egoísmo da Posse, a Inquietação da Fama prenderam-na por muitos séculos de dor e de tormento.

Ia somente aos palácios da Morte para se banhar no pranto dos arrependimentos salvadores, retornando à luta com o firme propósito da vitória; até que um dia escolheu um ambiente de lágrimas dolorosas para os seus combates. Sua infância foi uma longa tortura e toda a sua vida um rosário de aflições e de angústias; viu o escárnio em lábios que estremecia, feriu-se nos espinhos da ingratidão e chorou na confiança traída.

Tudo, porém, suportou com serenidade espartana e com paciência evangélica. Sorriu aos trabalhos e dificuldades da sua existência, sacrificando-se penosamente!… Todavia, uma hora chegou em que as privações lhe trouxeram o alvará da liberdade.

Adormeceu tranquilamente nos braços misericordiosos da Morte e livre da reencarnação e da miséria despertou no santuário esplendoroso da Redenção onde um anjo divino lhe descerrou as portas da Imensidade; então a Alma liberta, entre lágrimas de reconhecimento e de júbilo, alou-se ao Infinito, em cujos jardins deslumbrantes foi colher a flor da sempiterna ventura.

Marta, do livro Palavras do Infinito. Página recebida por Chico Xavier, em Pedro Leopoldo a 6 de dezembro de 1934.

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