15 janeiro 2020

O Caminho do Reino


… Por isso, venho abrir o templo dos corações sinceros para que todo culto a Deus se converta em íntima comunhão entre o homem e o seu Criador!
Suave silêncio se fez entre ambos. Enquanto Jesus parecia sondar o invisível com o seu luminoso olhar, a samaritana meditava…
Daí a alguns instantes, acompanhados de grande número de populares, chegavam os discípulos, admirando-se todos de encontrarem o Messias em conversação íntima com uma mulher.
Nenhum deles, todavia, aventurou qualquer observação menos digna ou imprudente. Observando que o Messias se preparava para retirar-se em busca da aldeia mais próxima, a samaritana, eminentemente impressionada com as suas revelações, solicitou a presença de todos os seus familiares e vizinhos, a fim de que o conhecessem e lhe ouvissem a palavra.
Tiago e André haviam trazido pão e algumas frutas e insistiam com Jesus para que se alimentasse. O Mestre, porém, aproveitou o instante para mais uma vez ensinar o caminho do Reino, com as suas palavras amigas, compondo parábolas singelas.
Muita gente se aglomerara para ouvi-lo. Eram viajantes que demandavam regiões diferentes, a par de grande grupo de samaritanos de opiniões exaltadas. A enorme assembleia se pôs a caminho, mas o Messias continuou espalhando as suas promessas de esperança e de consolação.
Nesse ínterim, Filipe consultou os companheiros e, aproximando-se de Jesus, rogou-lhe carinhosamente:
– Mestre, por favor, aceitai um pouco de pão! É indispensável cuidardes do sustento! Descansai e comei!…
– Não te preocupes, Filipe – disse o Messias, com reconhecimento –, não tenho fome. Aliás, recebo um alimento que talvez os meus próprios discípulos ainda não puderam conhecer.
– Qual? – atalhou o apóstolo, com interesse.
– Antes de tudo, meu alimento é fazer a vontade daquele Pai misericordioso e justo que a este mundo me enviou, a fim de ensinar o seu amor e a sua verdade.
Meu sustento é realizar a sua obra.
– É verdade – observou o discípulo, olhando a multidão que os acompanhava –, vedes melhor os corações e não podemos perder esta oportunidade de divulgação da Boa Nova. Levaremos para Cafarnaum mais este triunfo, porque é incontestável que obtivestes aqui, entre os samaritanos, um dos nossos maiores êxitos!…
Tiago e André ouviam, silenciosos, o diálogo.
Às palavras entusiásticas do apóstolo, o Mestre sorriu e acrescentou:
– Não é isso propriamente o que me interessa. O êxito mundano pode ser uma ondulação de superfície. O de que necessitamos, em todas as situações, é entender o que o Pai deseja de nós. Como todo o seu anelo é o do bem, eu trabalho, mas sem me prender ao anseio das vitórias imediatas.
E, dirigindo o olhar para a turba compacta de seus seguidores, exclamou para os companheiros:
– Acaso poderemos admitir que já somos compreendidos? Calemo-nos por alguns instantes, a fim de ouvirmos a opinião dos que nos seguem os passos.
Fez-se silêncio entre ele e os três discípulos, de modo que podiam ouvir distintamente os diálogos travados entre os que os acompanhavam.
– Acreditas que seja este homem o Cristo prometido? Perguntava um samaritano de boa figura aos seus amigos. – De minha parte, não aceito semelhante impostura. Este nazareno é um explorador da piedade popular.
– É certo – concordava o interpelado –, mesmo porque, em sua terra, não chega a valer um denário. Pelos próprios parentes é tido como inimigo do trabalho e há quem duvide da sua preguiçosa cabeça.
– É um louco de boa aparência – dizia uma mulher idosa para a filha –, pelo menos essa é a opinião que já ouvi de habitantes de Cafarnaum; entretanto, cá para mim, acredito seja um grande velhaco. Por que se meteu com pescadores, quando alega ser tão sábio? Por que não se transfere para Jerusalém, ou mesmo para o Tiberíades? Bem sabe a razão disso. Lá encontraria homens cultos que lhe confundiriam a presunção.
Mais próximo de Jesus, um rapaz sentenciava em voz discreta:
– Quando chegamos, foi ele achado sozinho com uma mulher. Que te parece esta circunstância? - perguntava a um companheiro de caminhada. - Certamente desejava salvá-la a seu modo…  – replicou com malicioso riso o inquirido.
Num grupo vizinho, falava-se acaloradamente:
– Este homem é um espertalhão orgulhoso – dizia, convicto, um velhote –, só faz milagres junto das grandes multidões, para que sintam virtudes sobrenaturais nas suas mágicas.
– E não tem caridade – acrescentou outro –, pois ainda há pouco tempo, quando o procuraram em Cafarnaum para um sinal do céu, fugiu para o monte, sob o pretexto de fazer orações.
A noite começava a cair de todo. No alto já brilhavam as primeiras estrelas. Jesus sentou-se com os discípulos, à margem do caminho, para um momento de repouso.
André, Tiago e Filipe estavam espantados com o que tinham visto e ouvido.
Aparentemente o Mestre fora aureolado de imenso êxito, entretanto, verificaram a profunda incompreensão do povo. Foi então que Jesus, com a serenidade de todos os instantes, os esclareceu cheio da sua bondade imperturbável:
– Não vos admireis da lição deste dia. Quando veio, o Batista procurou o deserto, nutrindo-se de mel selvagem. Os homens alegaram que em sua companhia estava o espírito de Satanás. A mim, pelo motivo de participar das alegrias do Evangelho, chamam-me glutão e beberrão. Esta é a imagem do campo onde temos de operar.
Por toda parte encontraremos samaritanos discutidores, atentos aos êxitos e referências do mundo. Observai a estrada para não cairdes, porque o discípulo do Evangelho não se pode preocupar senão com a vontade de Deus, com o seu trabalho sob as vistas do Pai e com a aprovação da sua consciência.

Chico Xavier/Humberto de Campos, do livro Boa Nova

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