Amor purificado e ardoroso
Dois dias eram passados sobre o doloroso drama do Calvário, em cuja cruz de inominável martírio se sacrificara o Mestre, pelo bem de todos os homens. Penosa situação de dúvida reinava dentro da pequena comunidade dos discípulos. Quase todos haviam vacilado na hora extrema. O raciocínio frágil do homem lutava por compreender a finalidade daquele sacrifício. Não era Jesus o poderoso Filho de Deus que consolara os tristes, ressuscitara mortos, sarara enfermos de doenças incuráveis? Por que não conjurara a traição de Judas com as suas forças sobrenaturais? Por que se humilhara assim, sangrando de dor, nas ruas de Jerusalém, submetendo-se ao ridículo e à zombaria? Então, o emissário do Pai Celestial deveria ser crucificado entre dois ladrões?!
Enquanto essas questões eram examinadas, de boca em boca, a lembrança do Messias ficava relegada a plano inferior, olvidada a sua exemplificação e a grandeza dos seus ensinamentos. O barco da fé não soçobrara inteiramente, porque ali estavam as lágrimas do coração materno, trespassado de amarguras.
O Messias redivivo, porém, observava a incompreensão de seus discípulos, como o pastor que contempla o seu rebanho desarvorado. Desejava fazer ouvida a sua palavra divina, dentro dos corações atormentados, mas, só a fé ardente e o ardente amor conseguem vencer os abismos de sombra entre a Terra e o Céu. E todos os companheiros se deixavam abater pelas ideias negativas.
Foi então, quando, na manhã do terceiro dia, a ex-pecadora de Magdala se acercou do sepulcro com perfumes e flores. Queria, ainda uma vez, aromatizar aquelas mãos inertes e frias; queria, uma vez mais, contemplar o Mestre adorado, para cobri-lo com o pranto do seu amor purificado e ardoroso. No seu coração estava aquela fé radiosa e pura que o Senhor lhe ensinara e, sobretudo, aquela dedicação divina, com que pudera renunciar a todas as paixões que a seduziam no mundo. Maria Madalena ia ao túmulo com amor e só o amor pode realizar os milagres supremos.
Estupefata, por não encontrar o corpo, já se retirava entristecida, para dar ciência do que verificara aos companheiros, quando uma voz carinhosa e meiga exclamou brandamente aos seus ouvidos:
Maria!…
Ela se supôs admoestada pelo jardineiro, mas, em breves instantes reconhecia a voz inesquecível do Mestre e lhe contemplava o inolvidável sorriso. Quis atirar-se-lhe aos pés, beijar-lhe as mãos num suave transporte de afetos, como faziam nas pregações do Tiberíades, porém, com um gesto de soberana ternura, Jesus a afastou, esclarecendo:
Não me toques, pois ainda não fui a meu Pai que está nos céus!…
Instintivamente, Madalena se ajoelhou e recebeu o olhar do Mestre, num transbordamento de lágrimas de inexcedível ventura. Era a promessa de Jesus que se cumpria. A realidade da ressurreição era a essência divina, que daria eternidade ao Cristianismo.
A mensagem de alegria ressoou, então, na comunidade inteira, Jesus ressuscitara! O Evangelho era a verdade imutável. Em todos os corações pairava uma divina embriaguez de luz e júbilos celestiais. Levantava-se a fé, renovava-se o amor, morrera a dúvida e reerguera-se o ânimo em todos os espíritos. Na amplitude da vibração amorosa, outros olhos puderam vê-lo e outros ouvidos lhe escutaram a voz dulçorosa e persuasiva, como nos dias gloriosos de Jerusalém ou de Cafarnaum.
Desde essa hora, a família cristã se movimentou no mundo, para nunca mais esquecer o exemplo do Messias.
A luz da ressurreição, através da fé ardente e do ardente amor de Maria Madalena, havia banhado de claridade imensa a estrada cristã, para todos os séculos terrestres.
É por isso que todos os historiadores das origens do Cristianismo param a pena, assombrados ante a fé profunda dos primeiros discípulos que se dispersaram pelo deserto das grandes cidades para pregação da Boa Nova, e, observando a confiança serena de todos os mártires que se têm sacrificado na esteira infinita do tempo pela ideia de Jesus, perguntam espantados, como Ernest Renan, numa de suas obras:
Onde está o sábio da Terra que já deu ao mundo tanta alegria quanto a carinhosa Maria de Magdala?
Chico Xavier/Humberto de Campos, do livro Boa Nova
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