Um Morto Ilustre descreve o próprio enterro

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, poeta brasileiro, 
Nascimento: 20 de abril de 1884, Cruz do Espírito Santo, Paraíba.
Falecimento: 12 de novembro de 1914, Leopoldina, Minas Gerais.

Noite de 17 de junho de 1945, Chico Xavier, a serviço da repartição da qual é empregado, achava-se na cidade de Leopoldina, em Minas Gerais, numa exposição agropecuária.
Findo o labor do dia, foi visitar o “Centro Espírita Amor ao Próximo”, daquela cidade.
Como se sabe, naquela cidade mineira, desencarnou o Poeta Augusto dos Anjos, cujos despojos, até hoje, ainda lá se encontram.
Alguém, na reunião, que se compunha de mais de cem pessoas, comentou:
— Ora essa! Se os espíritos se comunicam conosco, seria interessante que o Augusto dos Anjos nos viesse contar, em versos, como foi o seu enterro.
E o Poeta veio mesmo.
Em concentração junto à mesa que dirigia os trabalhos da noite, Chico psicografou a interessante mensagem que transcrevemos:

Recordações em Leopoldina

A sombra amiga destes montes calmos,
Meu pobre coração de anacoreta,
Amortalhado em fina roupa preta
Desceu à escuridão dos sete palmos.

Viera o fim dos sonhos intranquilos
Entre grandes e estranhos pesadelos,
Satisfazendo aos trágicos apelos
Da guerra inexorável dos bacilos.

A morte terminara o horrendo cerco,
Sufocando as moléculas madrastas…
Eram milhões de células nefastas,
Voltando à paz do túmulo de esterco.

Indiferente aos últimos perigos,
Meu corpo recebeu o último beijo
E comecei o lúgubre cortejo,
Sustentado nos braços dos amigos.

Em triste solilóquio no trajeto,
Espantado, fitando as mãos de cera,
Rememorava o tempo que perdera,
Desde as primárias convulsões do feto.

Por que morrer amando e haver descrido
Do Eterno Sol, do qual vivera em fuga?
Como é sombrio o pranto que se enxuga
Pelo infinito horror de haver nascido!…

Depois, vi-me no campo onde a dor medra,
Ao contacto do chão frio e profundo,
Chegara para mim o fim do mundo,
Entre as cruzes e os dísticos de pedra.

Terrível comoção pintou-me a cara,
Na escabrosa cidade dos pés juntos,
Tornara-se defunta, entre os defuntos,
Toda a ciência de que me orgulhara.

Trêmulo e só, no leito subterrâneo,
Sentia, frente à lógica dos fatos,
O pavor dos morcegos e dos ratos,
Dominar os abismos de meu crânio.

Meus ideais mais puros, meus lamentos,
E a minha vocação para a desgraça
Reduziam-se à mísera carcaça
Para o açougue dos vermes famulentos.

Em seguida o abandono, enfim, do plasma,
Os micróbios gritando independência…
E tomei nova forma de existência
Sob a fisiologia do fantasma.

Fugindo então ao gelo, à sombra e à ruína
Do caos sinistro em que vivi submerso
Revelou-se-me a glória do universo,
Santificado pela Luz Divina.

Oh! Que ninguém perturbe os meus destroços,
Nem arranque meu corpo à última furna,
É Leopoldina, a generosa urna,
Que, acolhedora, me resguarda os ossos.

Beije minh’alma, alegre, o pó da rua
Deste painel bucólico e risonho,
Onde aprendi, no derradeiro sonho,
Que o mistério da vida continua…

Bendita seja a Terra, augusta e forte,
Onde, através das vascas da agonia,
Encontrei a mim mesmo, em novo dia,
Pelas revelações de luz da morte.

Espírito Augusto dos Anjos.

O experimentador, que duvidava da comunicação dos Espíritos, ao escutar a mensagem, franziu a testa e, com toda a assembleia, ficou meditando…

Ramiro Gama

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