Primeiros lindos casos de Chico Xavier

Para vermos Chico Xavier tivemos de vencer muitos obstáculos e amargamos uma viagem exaustiva de 20 horas de trem. Fomos, no entanto, recompensados, de vez que pudemos abraçar o querido médium, falar-lhe, senti-lo e encher o coração de Lindos Casos seus.

Chico Xavier é mesmo uma criatura adorável. Assim que nos recebe, e põe logo à vontade e descontrai, fazendo crer que somos velhos amigos, irmãos muito chegados ao seu coração. Tivemos vontade de ficar a vida inteira a ouvi-lo, a conversar com ele, tanto bem-estar nos dá e nos proporciona. Conta-nos os primeiros Lindos Casos de sua infância, ao lado da progenitora, um coração grandioso de mulher, um exemplar edificante de verdadeira mãe. Foi seu amparo, seu anjo tutelar até os 5 anos de idade, quando desencarnou, deixando-o órfão. Aí começaram os primeiros sofrimentos, que lhe burilaram a alma, preparando-o para o cumprimento de sua grandiosa Missão. Dos 5 aos 7 anos, foi confiado a uma mulher obsedada, (ele diz que foi sua Educadora) que o surrava três vezes por dia. Tão obsedada que lhe aplicava garfos no ventre, ferindo-o bastante, daí provindo uma chaga que lhe deu longo sofrimento. Tão obsedada que o fez lamber a ferida de um sobrinho, porque lhe disseram que, com esta “simpatia”, o rapaz ficaria curado, como de fato ficou.

Numa tarde, foi chamado à casa do pai, que se casara pela segunda vez com uma mulher muito meiga e por isto, bela, afirma o Chico. Inspirada, talvez pela falecida genitora do humilde médium, essa senhora impõe uma condição ao casamento: que o pai do Chico reunisse de novo os filhos, a fim de que ela os acabasse de criar. E Chico, quando se viu à frente dessa criatura, quando soube do seu nobilitante gesto, quando sentiu no pescoço a carícia de seus braços carinhosos, não se conteve, beijou-lhe sentida e gratamente a barra da saia e votou-lhe, daí por diante, intensa e sincera amizade de verdadeiro filho. Em correspondência a esse afeto, essa segunda mãe o ensinou a orar, a sentir Deus, a achar bela a vida, a trabalhar e a procurar ser útil aos outros. Contava 17 anos e era feliz, quando a segunda mãe, de repente, adoece e desencarna, tendo-lhe antes feito prometer, à beira do leito, tomar a si o encargo de continuar com a casa e não permitir que fossem os irmãos, novamente, entregues a estranhos. E assim fez. Empregou-se. Ganhava 60 cruzeiros por mês. Era pouco, mas com Deus era muito; dava para as despesas e ninguém passava fome. Todos viviam satisfeitos. Aprendera a cozinhar e, auxiliado por uma irmãzinha, conservava em dia o expediente do lar. Ganhava corpo, neste ínterim, a sua preciosa mediunidade. Recebe o “Parnaso de Além-Túmulo”; torna-se conhecido no Brasil e mundo afora. Seu patrão, dono de um pobre armazém de secos e molhados, local em que foi planejado o “CENTRO ESPIRITA LUIZ GONZAGA”, começa a ser perseguido, porque diziam, abrigava um “FEITICEIRO”, que falava com os Espíritos, e, tempos depois, acabou falindo, caindo em extrema pobreza, precisando esmolar para viver… E Chico, também desempregado, sofre com isso e procura novo emprego numa fazenda distante dois quilômetros de Pedro Leopoldo, pertencente ao Ministério da Agricultura, e onde está até hoje. Outros muitos Casos, Casos Lindos, nos vai contando o Chico, estimulado pela nossa emoção e pelo nosso interesse. Sentimos não poder guardá-los todos, tão belas lições nos oferecem. Fala-nos da morte de seu querido mano José, que presidia o Centro na sua própria casa, e que lhe deixou dívidas, todas elas pagas por uma verdadeira “AJUDA DO ALTO”; da obsessão de uma parenta, das graças que recebeu e da morte de seu segundo irmão, Raimundo; do progresso de sua mediunidade, dos livros mediúnicos, recebidos em prosa e verso, crônicas, mensagens, romances, contos, reportagens, sobre ciência, filosofia e religião, um acervo imenso e verdade, até que chega o ano de 1940 e adoece gravemente, sentido-se “IN EXTREMIS”. Para mais o entristecer, o ex-patrão desencarna na miséria, sem ter sequer um caixão para ser enterrado. Chora o Chico e realiza um dos seus grandes gestos de gratidão e de humildade, coisa que surpreende e emociona todos os pedro-leopoldenses. Quer sentir o que seu ex-patrão “SENTIU”, quer lhe prestar, ao menos, essa homenagem. E vence, pois vai de porta em porta “ESMOLAR” dinheiro para ENTERRAR o velho “PATRÃO” e amigo. Até um cego, sabendo do acontecido, procura-o e lhe dá tudo quanto recolhera. Este Caso, contado com todos os pormenores, emociona, tão expressivo ele é, revelando-nos ao vivo a alma humilde e boa do abnegado médium.

Pelos médicos locais é considerado tuberculoso, tão fraco está e febril. E, em certa manhã ensolarada, vendo-o tão triste, sentado à entrada da porta, “Emmanuel”, seu dedicado Guia, põe-lhe a mão no ombro e diz: Chico, procure reagir, senão você falirá e se chegar agora aqui, desencarnado, chegará inegavelmente como um homem de bem, porque já realizou algo, mas deixará por fazer muita coisa prometida e nos colocará em situação sobremodo delicada, pois que levamos anos a organizar os planos de sua reencarnação. Procure, pois, reagir. A tristeza, meu filho, é “cupim do coração”, traz moléstia grave. Muitas doenças têm como causa um movimento explosivo de cólera, um aborrecimento, um atrito, um ato de revolta, um desejo insatisfeito. São os rins que se tocam; é o coração que recebe, em cheio, a punhalada de um ódio; é o fígado que todo se ingurgita com a angústia de um orgulho ofendido; são os pulmões que se mostram enfraquecidos, por falta do oxigênio de nosso otimismo, da nossa confiança em nós mesmos e em Deus. Amanhã  lhe mostrarei a “Fazenda do Pai”, a “Natureza”, para que você a sinta, compreenda e possa dela traduzir a Mensagem amorosa e retirar os remédios mais santos e eficientes para curar-se, ser mais útil e feliz. E se você como penso, assimilar o que lhe vou mostrar, para certificar-se de que o bem que fazemos é o nosso bem, que quem dá recebe mais, ficará curado, porque vai mudar de vida, agir de outra forma. E na manhã seguinte, de fato, Emmanuel ensinou ao Chico, primeiramente, a orar, mesmo com o rádio trabalhando alto, rádio com que o presenteara o saudoso irmão Figner. Ensinou-lhe, depois, a tomar vagarosamente o café da manhã, a fim de “senti-lo” e analisar seu plantio, a sua colheita, a sua história, tocante; e assim fez com o pão, traduzindo-lhe a lição magistral. Depois partiu para o trabalho, ainda acompanhado do bondoso Conselheiro e Amigo, atendendo e correspondendo, atenciosa e alegremente, como era aconselhado, a todos os cumprimentos, principalmente quando de um “VÁ COM DEUS”, “DEUS LHE PAGUE”, “DEUS LHE AJUDE”, saídos dos corações que beneficiamos e que são luzes que entram pela nossa alma, sentimentos de Paz que chegam ao nosso coração como remédios curadores. E caminho afora, nessa manhã clara de sol, o abnegado Emmanuel foi mostrando-lhe todos os valores da “FAZENDA DO PAI”. Cada pormenor do valioso patrimônio apresentava, com a explicação dada, uma significação particular. A árvore, o caminho, a nuvem, a poeira, que é o “MATA BORRÃO” dos charcos, simbolizando uns o desvelo do homem e, outros, a misericórdia de Deus; o frio, a ponte, que serve a pobres e ricos, a maus e bons, que tem uma serventia.

— Chico, você já foi ponte para alguém? pergunta-lhe o caro Emmanuel. E ele, sem saber como responder ao iluminado Guia, cala-se e vai guardando os ensinos recebidos, com amor, atenção e respeito. Em sonho, recebe a graça final. E dias depois, como previra Emmanuel, o querido irmão está curado, forte, alegre e feliz.

Foi após repletar-nos a alma desses Lindos Casos, que Chico nos levou ao interior de sua singela casinha, a participar da Sessão em que recebemos mensagens tocantes de nossa irmãzinha Wanda, outra de Emmanuel, respondendo-nos a questões, uma POESIA sentida e bela de CASIMIRO CUNHA, que nos arrancou lágrimas, e um Soneto de Augusto dos Anjos, em que se mostra pela primeira vez, com seu régio presente, mais sentimental, falando do Amor, que ele já sabe sentir, votivo aos pequenos e humildes, sofredores e paupérrimos. Foi uma Sessão de 4 horas, que nos emocionou bastante e na qual ganhamos Graças que jamais prevíramos, em nossa vida. Graças a Deus! Terminada a Sessão, o Chico, sempre amável, acompanhou-nos ao hotel, prometendo levar-nos na manhã seguinte ao seu Posto de Serviço, a fim de gozarmos, como gozamos, um belo passeio matinal. Dormimos e acordamos bem cedo, demandamos à Fazenda do Ministério da Agricultura, onde Chico trabalha e é estimadíssimo. E ali, no seio de uma Natureza festiva, de um sol sempre vivo e caricioso, sob um dossel de nuvens garças, afagado por brisa benfazeja, sentindo a música dolente dos pássaros livres e felizes, brincando à nossa frente, como a nos saudarem, que o Chico demonstra sua admiração pela natureza e onde melhor o conhecemos. Atendendo ao apelo de um Poeta, e visto que também o é, “AMA ATÉ AS PEDRAS E OS MONTES PENSATIVOS”, vendo em tudo poesia e oração, arte, lições num grande livro aberto; trata as árvores como irmãs, com graça e doçura; compreende como poucos, a alma do “GRANDE TODO” e, qual “Pitágoras” redivivo, “TUDO SENTE”; humaniza as sombras, penetra o âmago das Coisas, ouve a voz do Silêncio. Para ele as águas falam e ele as entende; a Cachoeira barulhenta e a quietude profunda dos rios têm semelhança com certas criaturas. Um raio de luz, uma carícia, um inseto que voeja, lhe chamam a atenção, fazem-no pensar e lhe arrancam sorrisos dos lábios e fulgurações dos olhos vivos, ternos e mansos. Em tudo vê Poesia e Vida, Verdade e Luz, Beleza e Amor, e, acima de tudo, a Presença de Deus! Que sensibilidade apuradíssima: que coração grandioso lhe bate dentro do peito, capaz dos maiores gestos de bondade, de renúncia, de gratidão, de piedade e de humildade! Conta-nos, a passo vagaroso, Lindos Casos.

E já na hora da despedida é que Chico nos revela qual o desejo maior que afagou em toda a sua vida de encarnado, e que recentemente lhe foi satisfeito: ter um quarto seu com uma janela toda de vidro para poder VER O CÉU, de noite, cheio de estrelas, sentir os mundos imensos que estão rolando pelo infinito como lenços a nos acenar, a nos chamar e pedir que lutemos para merecê-los. Quer ver o céu ainda para ver os Espíritos que vêm e vão… Foi Flammarion quem disse que precisamos olhar menos para a Terra e mais para o Céu, porque o silêncio do Céu é mais eloquente que todas as vozes humanas. O aspecto de sua abóbada celeste nos enche de admiração e fala-nos de Deus, “MAS DE UM DEUS VERDADEIRO”. Porque o Deus dos espíritos não é o Deus dos exércitos de Felipe II; não derrama sangue, não fala de guerras, não anda a vencer batalhas, não conduz às infâmias da Inquisição, não faz queimar vivos, como heréticos, irmãos outros que tenham religiões diferentes da nossa; não aprova a matança de “São Bartolomeu”, não sustenta o erro; não condena “Copérnico” e “Galileu”, porque esse Deus que o Céu nos mostra é a Suprema Justiça, a Suprema Verdade, o Amor mesmo, e paira, impecável e sereno, na Sua Luz e no Seu poder! As criaturas que olham para o Céu, que gostam do Céu, que falam com o Céu, são criaturas diferentes, estão de passagem por aqui, em Missões; e, sentindo Saudades da Pátria Verdadeira, distante, procuram minorar essa Saudade olhando o Infinito, traduzindo-lhe a Mensagem silenciosa e linda, que Irmãos Maiores lhes enviam.

Chico Xavier é, assim, uma criatura do Céu!

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