Palavras necessárias

Em 1931, residíamos (Sr. Ramiro Gama) na cidade de Três Rios, no Estado do Rio de Janeiro, e éramos o Presidente do Grupo Espírita Fé e Esperança.
Por este motivo, correspondíamo-nos com Manuel Quintão e Dr. Guillon Ribeiro – este, Presidente e, aquele, Vice-Presidente da Federação Espírita Brasileira.
Como gratidão ao muito que estes grandes amigos nos davam, através de suas correspondências verdadeiramente evangélicas, que muito nos esclareceram, oferecemos-lhes nossa monografia sobre Augusto dos Anjos com a qual tomamos posse na Academia Pedro II, hoje Academia Carioca de Letras.
Em troca, recebemos, do primeiro, uma carta encomiando (elogiando) nosso humilde trabalho literário e, do segundo, outra não menos encomiástica (elogiosa), acompanhada de um exemplar da Revista o Reformador, registrando poesias psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier e assinadas por Augusto dos Anjos, – com um pedido para que fizéssemos uma crônica, dando-lhes nossa impressão sobre o grande trabalho que se iniciava no mediunismo dos nossos dias, em terras do Brasil.
Nossos olhos caíram sobre o poema Vozes de uma Sombra e se maravilharam. Aquilo era mesmo, todo inteiro, de Augusto dos Anjos, mas de um Augusto dos Anjos melhorado, mais crente e menos pessimista. Seu poema era bem um Hino à Verdade do Homem Eterno e Redimido e, ao mesmo tempo, uma resposta cabal ao materialismo doentio do seu Poema Negro, escrito quando encarnado. Mas, uma dúvida, envolvia nosso pensamento e dizíamos de nós para conosco: por que o inimitável burilador do “Eu”, logo que sentira a justiça da imortalidade do Espírito, para melhor identificar-se, não se dera pressa em desmentir, como um ato de gratidão a Deus, o mal-entendido que nos deixou com seu “Último Número”, feito 15 minutos antes de desencarnar?
Escrevemos, então, aos caros amigos da Casa de Ismael (Federação Espírita Brasileira), dizendo-lhes da nossa dúvida e da nossa descoberta. E, dias depois, recebíamos, pelo correio, como a melhor das respostas, um exemplar do livro “Parnaso de Além-Túmulo”. Folheando-lhe as páginas, ansiosamente, surpreendemo-nos com uma infinidade de poesias de vários poetas. E, procurando, com ânsia e mais ansiosamente, o lugar em que se achavam as de Augusto dos Anjos, mais ainda nos surpreendemos em encontrar, logo de começo, o “Número Infinito”. Jubilamo-nos aliviados. Então Augusto dos Anjos, o mágico criador de imagens emocionantes e inéditas, lera nosso pensamento, traduzira nossa dúvida, e ali estava atendendo-nos e comovendo-nos, sobremodo.
“Glória in Excelsis (Glória a Deus nas Alturas)”! Os mortos estavam mesmo de pé e, pelo seu grande médium Francisco Cândido Xavier, falariam aos vivos da terra!
E escrevemos a crônica abaixo que constou de “O Reformador” de setembro de 1932 e que diz bem de nosso estado de alma e de como recebemos o maravilhoso livro: Parnaso de Além-Túmulo.
Esta criatura simples e boa que se chama Francisco Cândido Xavier, graças à misericórdia de Deus, acaba de dar significativo e lindo presente ao Espiritismo hodierno, oferecendo-lhe um livro de poesias de poetas de além-túmulo, que a sua mediunidade limpa e segura psicografou.
E tanto mais valioso o seu livro à Doutrina de Jesus quanto se sabe que, emparedado no seu próprio sonho de ser humilde e bom, dono de uma instrução mediana e, mesmo assim, obtida a golpes de esforço próprio – Francisco Cândido Xavier obteve (e obterá se Deus quiser) poesia do além, sintetizando culturas variadas e, confessadamente por ele, acima da que possui, e cuja autenticidade assombra pela forma estilar, valor idealístico e sentido característico dos que as assinam.
O Espiritismo precisava deste livro. Ele só, estou certo, dará muito que pensar aos orgulhosos e infelizes materialistas… Ele é já agora e será, a “Delenda Carthago” da crítica apaixonada, ou dos fanáticos das religiões sem asas; mas também, sem dúvida é e será um dique formidável às marés da incredulidade. Lendo-o, mesmo sem se conhecer o médium e a sua cultura, tem-se um consolo e uma certeza imensa: Francisco Cândido Xavier é um instrumento limpo, uma harpa afinada e de ouro dos irmãos do espaço. E o Espiritismo, mais uma vez, se afirma neste princípio soberano e tão discutido, – e ainda pouco acreditado ou compreendido: os mortos vivem, melhor e mais do que nós, e podem falar e escrever por nosso intermédio, tanto ou melhor, como se vivos fossem na terra. Nós, que militamos – graças a Deus – no campo espírita e que até há bem pouco militávamos na corrente literária da nova geração, perfilando figuras do Brasil mental, entre as quais a de Augusto dos Anjos, – podemos em verdade dizer da alegria boa e sincera, grande e confortadora, que nos invadiu a alma, ao certificarmo-nos de que todos os versos do “Parnaso de Além-Túmulo” são, de fato, dos poetas que os assinam.
Dos versos de Augusto dos Anjos, psicografados por Francisco Cândido Xavier, então, fora um sacrilégio pensar ao contrário. São bem dele, mas de um Augusto dos Anjos já bem mais espiritualizado, piedoso, cristão e senhor da Verdade Única do Evangelho de Jesus e ventilador (divulgador) de temas mais dignos da sua imensa cultura filosófica.
Nós, que lhe conhecemos todos os versos, linha a linha, que lhe decoramos os ritmos, que nos extasiamos com seu verbalismo individual e único, tão decantado por Euclides da Cunha, integrando-nos naquele Amazonas de belezas, confessamos: ao ler, em “Parnaso de Além-Túmulo” e “Vozes de uma Sombra”, ficamos profundamente encantados.
O poeta científico do “Eu”, “o torturado”, “o armazenador de dores”, o jeremiador pessimista, que foi, – consanguíneo mental dos “Carlyle”, dos “Dante”, dos “Pascal”, dos “Pöe” e dos “Spencer”, hoje, é mais humanista, mais geral e nos parece o mesmo na pujança mental, no verbalismo galhardo na qualidade e quantidade esplendorosas dos seus conceitos, mas tão diferente do seu “Sentir” de encarnado. Graças a Deus! Ganhou o que lhe faltava para ser maior e despertar em si o Anjo, que possuía e não sabia ver, quando na terra.
Vejamos como progrediu, moral e intelectualmente. No seu verso: Hino à dor, ele cantava, quando encarnado:
 
A DOR …
Nasce de um desígnio divino…
DOR! Saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam…

Mas esquecia-se de dizer que ela não nasce de um “Desígnio Divino” como muitos acreditam. Calava-se e, às vezes, se revoltava, como no “Poema Negro”, contra os seus males, na maioria, provindos da falta de resignação e da dúvida mantida com seu ateísmo, conforme o perfilamos. Agora, porém, serena, culta e cristãmente, ele nos afirma:

A Dor…
Não nasce de um “DESÍGNIO DIVINO”,
Nem da fatalidade do destino
Que destrói nossas células sensitivas;
Vem-nos dos próprios males que engendramos
Em cujo ignoto báratro afundamos,
Através de existências sucessivas.

Encarnado ou desencarnado, Augusto dos Anjos é o mesmo abusador de: “MORTE”, “DOR”, “VERMES”, “MATÉRIA”, etc. E, como em todo poeta de sua estirpe, o mesmo repetidor de frases marmóreas, como em “VOZES DE UMA SOMBRA”, – filigranas de cinzel, síntese da ciência de “Darwin” e de “Descartes” – provando-nos que seu vocabulário não foi esquecido, mas aumentado e enriquecido.
Do além nos diz:

Como vivem o novo e o obsoleto,
O ângulo obtuso e o ângulo reto
Dentro das linhas da geometria…
Na Terra dissera:
O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto
Uma feição humana e outra divina… 

Assim também, em “NÚMERO INFINITO”, que é um continuador expressivo do “ÚLTIMO NÚMERO”, – feito 15 minutos antes de desencarnar. Neste, como encarnado, dizia que tudo morre, pensando ser o seu Último Número… Agora, desencarnado. certifica-se de que ele é “INFINITO”…
ÚLTIMO NÚMERO (feito como encarnado):

Hora de minha morte. Hirta, ao meu lado,
A ideia exteriorizava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
Jazia o “ÚLTIMO NÚMERO” cansado.

Era de vê-lo, imóvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre de Incriado.

Bradei: — Que fazes ainda no meu crânio?…
E o “ÚLTIMO NÚMERO”, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: É tarde, amigo,

Pois que a minha antogênica grandeza
Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais! Morro contigo!

NÚMERO INFINITO (feito como desencarnado):
Sístoles e diástoles derradeiras
No Hirto peito, rígido e gelado.
E eu via o “ÚLTIMO NÚMERO” extenuado
Estertorando sobre as montureiras.

Escuridão, ânsias e inferneiras.
Depois o ar, o oxigênio eterizado.
E depois do oxigênio o ilimitado,
Resplendente clarão de horas primeiras.

Busquei a última visão das vistas foscas.
O derradeiro Número entre as moscas,
À camada telúrica adstrito.

E eu vi, vítima dúctil da desgraça,
Vi que cada minuto que se passa
É nova luz do Número Infinito…

E assim, continua o nosso Augusto dos Anjos, melhorado, colocando sua vasta inteligência a serviço da Causa da Verdade. E, humanizado e piedoso, menos herético, mais sábio e esclarecido sobre o “DONDE VIEMOS” e “PARA ONDE VAMOS”, mostrando-nos ser um escafandrista dos mares da Verdade e um pesquisador mais seguro das coisas do Infinito, – dá pensamento às árvores, humaniza as sombras, penetra a alma do éter e ministra ao mundo incrédulo, lições magníficas da imortalidade da alma e da pluralidade das existências e dos mundos habitados, através dos versos de ouro do Parnaso de Além-Túmulo: VOZ DO INFINITO, VOZ HUMANA, ALMA, ANÁLISE, EVOLUÇÃO, HOMO, INCÓGNITA, e EGO SUM, – que bem poderiam ser enfeixados, sozinhos, num livro, que excederia de muito o primeiro “EU”.
Sentimos não poder transcrever aqui todos eles. Pois, tão belos, em parte, quanto esses seus últimos versos, só, justamente, os versos famosos do “EU”.
Bem nos mostra, no Além, que a Arte continua sendo para sua inteligência, o que lhe foi na terra: – um espelho de Anel, a refletir sempre a beleza e a Grandeza das Obras de Jesus!
Graças damos ao Criador por permitir tal graça: qual a de lermos autênticos versos de Poetas de Além-Túmulo, como os de Augusto dos Anjos. E abençoada seja, para todo o sempre, a mediunidade de Francisco Cândido Xavier!
Para finalizar, passamos, agora, a falar, em síntese, dos demais Poetas do livro magnífico, que se autenticam através do ritmo, do modo característico de versejar e do individualismo da forma e do fundo dos seus trabalhos psicografados.

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