Notícia sobre o livro

O Livro dos Espíritos marca um momento decisivo da evolução humana: o da maturidade mental e espiritual do homem. Embora menosprezado pela cultura moderna e contemporânea em virtude de suas implicações religiosas, ele se integra historicamente no processo do nosso desenvolvimento cultural. É um livro-marco. Estabelece com absoluta nitidez uma linha divisória no plano conceptual. Antes da sua publicação temos o passado mítico e místico da concepção espiritual do mundo, a cosmovisão mitológica e teológica ameaçada pelo Renascimento e o Iluminismo. A partir do seu aparecimento temos o presente e o futuro racionais dessa concepção, que através dele se entrosa no progresso cultural.
Sua primeira edição foi lançada em Paris a 18 de abril de 1857. A segunda, em forma definitiva, apareceu na mesma cidade a 16 de março de 1860. Entre essas duas edições desenvolveu-se o movimento espírita na França e no mundo, com a publicação da Revista Espírita em janeiro de 1858 e a fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas a 1º de abril do mesmo ano. No mesmo período apareceram numerosas organizações espíritas e publicações especializadas em todo o mundo. Iniciava-se a era espírita.
O progresso científico havia dividido o mundo cultural em duas partes antagônicas. A partir de Descartes, a Revelação e a Razão se opuseram violentamente. A antiga cultura espiritualista foi posta em questão e abalada nos seus fundamentos. Quebrou-se a velha unidade do conhecimento e os homens de maior capacidade intelectual proclamaram o reinado humano contra o teológico. Relegada a Fé aos porões da superstição, a Razão arvorou-se em senhora do mundo. O materialismo estabelecia o seu Reino entre os homens, em lugar do Reino de Deus. Foi nesse momento que O Livro dos Espíritos criou a terceira força, destinada a reunificar o mundo cultural. A maneira da crítica da Razão, por Kant, a crítica da Fé por Kardec mostrou o equívoco dos contendores.
Este livro restabelece a unidade do conhecimento em Plano mais alto. Fé e Razão se harmonizam em suas páginas dando-nos a tríplice estrutura da Doutrina Espírita como Ciência, Filosofia e Religião. A Antropologia Espírita, que se funda na mediunidade, mostra-nos a evolução cultural a partir das religiões primitivas e a desenvolver-se através da Mitologia e da Mística como um processo natural regido pela lei de adoração. A dicotomia mítico-teológica que nos apresentava o mundo dividido entre o sobrenatural e o natural foi dialeticamente superada. A concepção espírita é monista. O sobrenatural é apenas o natural não conhecido, não explicado. As leis de Deus não são somente as leis morais, mas também as leis físicas, e aquelas não são mais do que a sequência evolutiva destas. “Tudo se encadeia no Universo” repete constantemente este livro.
A batalha contra o Espiritismo travou-se em todas as frentes e este livro foi considerado herético pela Religião, pela Filosofia e pela Ciência. Não obstante, esses três campos do conhecimento avançam irremediavelmente na direção dos seus princípios. Cada conquista da Ciência, cada avanço da Filosofia, cada progresso da Religião têm marcado irremediavelmente uma aproximação da verdade espírita. A maneira do mundo clássico, que repudiou o Cristianismo para acabar se convertendo aos seus princípios, o mundo atual repudiou o Espiritismo avançando na sua direção.
Durante um século este livro foi lido pelos espíritas e combatido pelos não espíritas, não escapando às fogueiras inquisitoriais. Mas agora que a Física provou a natureza ilusória da matéria; que a Biologia superou a concepção mecanicista da vida; que a Astronomia reconheceu a Pluralidade dos mundos habitados; que a Psicologia comprovou, através da pesquisa parapsicológica, a realidade dos fenômenos paranormais e da percepção extrassensorial (independência do espírito em relação ao sensório físico); que a Filosofia reconheceu em suas pesquisas ontológicas e existenciais a natureza de “pro-jeto" do homem, “que se completa na morte”; e que a Religião admitiu a necessidade de reformular sua teologia antropomórfica e sua simbólica mitológica; agora este livro deve ser estudado pelos espíritas e lido pelos não espíritas.
Desdobrou-se este livro em mais quatro, que completam a Codificação do Espiritismo: O Livro dos Médiuns, desenvolvendo a sua teoria da experimentação espírita; O Evangelho Segundo o Espiritismo, exegese e código moral da Religião Espírita; O Céu e o Inferno, discussão das suas explicações escriturísticas à luz das experiências mediúnicas; A Gênese, os Milagres e as Predições, esclarecimento de seus principias cosmogônicos e dos fatos a sobrenaturais dos Evangelhos, segundo a concepção espírita. Temos nesses cinco volumes a Codificação Doutrinária, sendo a O Livro dos Espíritos o centro a que os demais estão profundamente vinculados.
Apesar dessa organicidade o sistema não é fechado, mas aberto. Os princípios da Doutrina são flexíveis, livres dos prejuízos do espírito de sistema, como se lê nos Prolegômenos deste volume. A concepção espírita ou a cosmovisão espírita não é dogmático-fideísta, mas crítico-fideísta. O Livro dos Espíritos é o primeiro compêndio de uma nova escola filosófica: o Fideísmo-crítico. Sua tese fundamental é a evolução e a natureza desta é dialética. Bastam estas informações, segundo pensamos, para mostrar aos espíritos arejados a face desconhecida deste livro e a sua importância cultural.

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