A palavra do morto
Quando Saul sentiu o peso das tremendas responsabilidades, no campo da autoridade e do poder, lembrou-se imediatamente de Samuel, o grande juiz que o precedera na direção dos israelitas. O nobre varão, todavia, fora arrebatado ao mundo da morte. No entanto, o rei sabia que os mortos podiam voltar, fazendo-se ouvidos. Interrogando os áulicos do seu séquito, soube que em Endor havia uma pitonisa que talvez pudesse satisfazer-lhe os propósitos.
Não hesitou e dirigiu-se a ela. E quando a intermediária caiu em transe, após admoestá-lo quanto ao anonimato a que se recolhera, eis que Samuel lhe surge aos olhos assombrados.
Não é um fantasma que o visita, trazendo resquícios da sepultura. É o verdadeiro Samuel, materializado à plena luz, que lhe estende as mãos acolhedoras. Não tem as insígnias de juiz e o seu olhar, outrora severo e autoritário, mantém-se impregnado de humildade infinita.
Ampla capa resguarda-lhe o corpo, e enquanto recompõe a sua figura, a fim de conversar calmamente, Saul cai, genuflexo, em pranto convulsivo.
—Ó santo Juiz de Israel – pergunta o rei, emocionado e confundido –, onde estão as tuas insígnias de Enviado de Jeová? Por que voltas do túmulo, pobre e simples, como qualquer mortal?
Contemplou-o Samuel, tristemente, e respondeu:
—Saul, que o Eterno te abençoe e te conceda paz! Não me perguntes pelas possessões e honrarias efêmeras. Minha túnica de linho de julgador e minha espada de guerreiro ficaram para sempre no sepulcro de Ramá. O homem que exerce a Justiça, perante o Supremo, não deve aguardar prerrogativas diferentes daqueles que felicitam os ministros do Senhor, em qualquer trabalho proveitoso… Mas, ouve! Que te induz a chamar-me do túmulo? Por que razões interrompes o meu trabalho no reino dos mortos?
Saul enxugou as lágrimas abundantes e falou:
—Ó Grande Juiz, aconselha-me! Estamos na véspera de grandes batalhas e tenho o coração cheio de maus presságios!… Sinto-me inquieto, hesitante… Dize-me o que pensas, concede-me as tuas diretrizes sábias e justas!
O Espírito de Samuel fitou-o, melancolicamente, e voltou a interrogar:
—Que desejas que eu diga?
—A verdade! —disse o rei, ofegante.
A entidade sorriu e observou:
—Entre os homens que vivem na carne e os que já reviveram, fora dela, ao sublime influxo da morte, a verdade é sempre terrível. Poderás, acaso, suportá-la?
Respondeu Saul, afirmativamente.
O Espírito materializado avançou para ele, afagou-lhe a cabeça e falou, comovido:
—Volta então ao povo de Israel, desarma o nosso exército e dize à nação que o nosso orgulho racial é um erro nefasto e profundo, diante da morte, inevitável para todos. Notifica as doze tribos de que nossas guerras e atritos com os vizinhos são malditas ilusões que nos agravam as responsabilidades, diante de Deus Altíssimo. Cientifica-os de que a morte ensinou a mim, último juiz dos israelitas, as mais estranhas revelações. O Senhor Supremo não está em nossa área de substância perecível do mundo, que não passa de mero símbolo, respeitável embora… Onde teremos buscado tanta audácia para nos julgarmos privilegiados do Eterno? Que espíritos satânicos penetraram nossos lares, para odiarmos o trabalho pacífico, entregando-nos ao monstro da guerra, que espalha a fome, a peste e a desolação?
É verdade que os nossos antepassados muito sofreram nas perseguições da Babilônia e no cativeiro do Egito, mas também é inegável que nunca soubemos valorizar os favores e as graças de Jeová, o Pai Magnificente. Reajustando agora os meus conhecimentos pelas imposições do sepulcro, eu mesmo, que cultivava a Justiça e supunha servir ao Senhor, compreendo quanto me afastei das vozes espirituais que nos induzem ao escrupuloso cumprimento da Lei. Sou hoje obrigado a socorrer os nossos armadores e flecheiros, guerrilheiros e pajens de armas, que choram e sofrem junto de mim e aos quais ajudei na matança. Volta, pois, Saul enquanto é tempo, e ensina aos nossos a realidade dura e angustiosa. Explica-lhes que os filisteus são também filhos do Altíssimo e que, ao invés de nos odiarmos, é imprescindível nos amemos uns aos outros, auxiliando-nos reciprocamente, como irmãos. Os lares de Jerusalém não são melhores que os de Ascalão. Vai, e ensina ao nosso povo uma vida nova! Faze que os instrumentos destruidores do extermínio se voltem para o trabalho pacifico e abençoado no solo da Terra!
Saul soluçava, de joelhos. Como aceitar os conselhos inesperados e humilhantes? Não se sentia com a força precisa para recuar. Buscava orientação para a vitória na batalha e o juiz inesquecível de Israel voltava do misterioso reino da morte para induzi-lo à submissão? O Espírito de Samuel compreendeu-lhe a luta íntima e falou, carinhoso:
—Lembra-te do tempo em que, humildemente, reunias jumentas no campo, na pobre condição de descendente da tribo de Benjamim, e não estranhes minhas palavras. Recorda-te que, quando o Senhor deseja conhecer as conquistas de uma alma, dá-lhe a autoridade e a fortuna, o governo e o trono para a terrível experiência. Atende a Deus e domina-te.
Executa a Vontade do Senhor e esquece-te, para que possas, de fato, triunfar, por sua Divina Misericórdia.
Fez-se então pesado silêncio. Como Saul chorasse, o mensageiro, desejando ultimar a entrevistas, perguntou:
—Desistirás da carnificina? Reconciliar-te-ás com os inimigos? Ensinarás ao povo a humildade, o serviço e a concórdia?
O rei de Israel fez um esforço supremo e respondeu:
—É impossível! Não posso!
O Espírito fitou-o com profunda tristeza e acrescentou:
—Como pedes, então, conselhos à luz da sabedoria, se preferes a prisão nas trevas da ignorância? O Senhor envia-te as verdades de hoje, por minha boca, mas, se persistes em desatendê-lo, rasgará o reino que guardas nas mãos e entregará a outrem a autoridade. E se não deres ouvidos à Divina Palavra, executando os sinistros propósitos de tua ira, sofrerá Israel contigo as consequências de tua rebeldia, cairás aos golpes do adversário e, amanhã mesmo, serás recolhido pela morte, juntamente com os teus filhos, vindo aprender conosco que ninguém confundirá o Eterno Poder!
Voltou Samuel à sua condição no plano invisível e Saul caiu desmaiado de espanto, enquanto a pitonisa acordava para socorrê-lo.
E como acontece a muita gente que roga orientação aos Espíritos desencarnados, Saul desprezou as advertências ouvidas e atendeu aos caprichos condenáveis de seu coração, mas, também, no dia seguinte, estava com os filhos no caminho sombrio do sepulcro, a fim de aprender com a morte as sagradas lições da vida.
Espírito Irmão X (Humberto de Campos). Do livro Lázaro Redivivo, psicografado por Chico Xavier, em 1945.
The word of the dead
When Saul felt the weight of tremendous responsibilities, in the field of authority and power, he immediately remembered Samuel, the great judge who had preceded him in the direction of the Israelites. The noble man, however, was snatched from the world of death. However, the king knew that the dead could return if they listened. Interrogating the Aulics of his entourage, he learned that in Endor there was a pythoness who might perhaps satisfy his purposes.He didn't hesitate and addressed her. And when the intermediary fell into a trance, after admonishing him about the anonymity to which he had withdrawn, behold, Samuel appeared to his astonished eyes.
He is not a ghost who visits him, bringing remains of the grave. It is the real Samuel, materialized in full light, who extends his welcoming hands. He does not have the insignia of a judge and his gaze, once severe and authoritative, remains impregnated with infinite humility.
A wide cloak protects his body, and while he recomposes his figure, in order to converse calmly, Saul falls, genuflecting, in convulsive tears.
—O holy Judge of Israel — asks the king, moved and confused — where are your ensigns of the Sent One of Jehovah? Why do you return from the grave, poor and simple, like any mortal?
Samuel looked at him sadly and replied:
—Saul, may the Eternal bless you and grant you peace! Ask me not for ephemeral possessions and honors. My judge's linen robe and my warrior's sword remained forever in the sepulcher of Ramah. The man who exercises Justice, before the Supreme, should not expect prerogatives different from those who congratulate the ministers of the Lord, in any profitable work... But listen! What induces you to call me from the grave? Why do you interrupt my work in the realm of the dead?
Saul wiped away his abundant tears and said:
—O Great Judge, advise me! We are on the eve of great battles and my heart is full of bad omens!… I feel restless, hesitant… Tell me what you think, grant me your wise and just directives!
The Spirit of Samuel looked at him, melancholy, and asked again:
“What do you want me to say?
-The truth! said the king, panting.
The entity smiled and observed:
—Between men who live in the flesh and those who have already revived, outside of it, to the sublime influx of death, the truth is always terrible. Can you possibly bear it?
Saul replied in the affirmative.
The materialized Spirit advanced towards him, patted his head and spoke, moved:
—Then go back to the people of Israel, disarm our army and tell the nation that our racial pride is a nefarious and profound mistake, in the face of death, inevitable for all. Notify the twelve tribes that our wars and frictions with our neighbors are cursed illusions that increase our responsibilities before the Most High God. Let them know that death taught me, the last judge of the Israelites, the strangest revelations. The Supreme Lord is not in our area of perishable substance of the world, which is nothing more than a mere symbol, respectable although… Where have we sought so much audacity to judge ourselves privileged of the Eternal? What satanic spirits have penetrated our homes, to make us hate peaceful work, giving ourselves over to the monster of war, which spreads famine, pestilence, and desolation?
It is true that our ancestors suffered much in the Babylonian persecutions and in the captivity of Egypt, but it is also undeniable that we never knew how to appreciate the favors and graces of Jehovah, the Magnificent Father. Readjusting my knowledge now by the impositions of the sepulcher, I myself, who cultivated Justice and believed to serve the Lord, understand how far I have moved away from the spiritual voices that lead us to scrupulous compliance with the Law. Today I am obliged to help our shipowners and archers, guerrillas and pages in arms, who cry and suffer with me and whom I helped in the slaughter. Return, therefore, Saul while there is still time, and teach our people the hard and distressing reality. He explains to them that the Philistines are also sons of the Most High and that, instead of hating each other, it is essential that we love one another, helping one another as brothers. The homes of Jerusalem are no better than those of Ashkelon. Go, and teach our people a new life! Turn the destructive instruments of extermination to peaceful and blessed work on Earth's soil!
Saul was sobbing, on his knees. How to accept unexpected and humiliating advice? He didn't feel the strength to back off. Did he seek guidance for victory in battle and did Israel's unforgettable judge return from the mysterious realm of death to bring him into submission? The Spirit of Samuel understood his inner struggle and spoke affectionately:
—Remember the time when you humbly gathered donkeys in the field, in the poor condition of a descendant of the tribe of Benjamin, and do not be surprised at my words. Remember that when the Lord desires to know the conquests of a soul, He gives him authority and fortune, government and throne for the terrible experience. He attends to God and dominates you.
He executes the Will of the Lord and forgets you, so that you may indeed triumph, by his Divine Mercy.
Then there was a heavy silence. As Saul wept, the messenger, wishing to end the interviews, asked:
"Will you give up the carnage?" Will you reconcile with your enemies? Will you teach the people humility, service and harmony?
The king of Israel made a supreme effort and replied:
-It's impossible! I can't!
The Spirit looked at him with deep sadness and added:
—How, then, do you ask for advice in the light of wisdom, if you prefer prison in the darkness of ignorance? The Lord sends you the truths of today, through my mouth, but if you persist in disregarding him, he will tear the kingdom that you hold in your hands and give authority to someone else. And if you do not listen to the Divine Word, executing the sinister purposes of your wrath, Israel will suffer with you the consequences of your rebellion, you will fall to the blows of the adversary and, tomorrow, you will be collected by death, together with your children, coming to learn with us. that no one will confuse the Eternal Power!
Samuel returned to his condition in the unseen plane, and Saul fell in a swoon with astonishment, while the pythoness woke up to help him.
And as happens to many people who ask for guidance from discarnate spirits, Saul disregarded the warnings he had heard and heeded the damnable whims of his heart, but also, the next day, he was with his children on the dark path of the sepulcher, in order to learn from them. death the sacred lessons of life.
Brother Spirit X (Humberto de Campos). From the book Lázaro Redivivo, psychographed by Chico Xavier, in 1945.
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