11 abril 2024

Um Espírito no enterro de seu corpo


Estado da alma no momento da morte.

Os Espíritos sempre nos disseram que a separação da alma e do corpo não se faz instantaneamente; ela começa, algumas vezes, antes da morte real, durante a agonia, quando a última pulsação se faz sentir, o desligamento não está ainda completo; ele se opera mais ou menos lentamente segundo as circunstâncias, e até a sua inteira liberdade a alma experimenta uma perturbação, uma confusão que não lhe permite conscientizar-se de sua situação; está no estado de uma pessoa que desperta e cujas ideias são confusas. Esse estado nada tem de penoso para o homem cuja consciência é pura; sem saber explicar bem que vê, é calmo e espera sem medo o despertar completo; ao contrário, é cheio de angústias e de terror para aquele que teme o futuro. A duração dessa perturbação, dizemos nós, é variável; é muito menos longa naquele que, durante a vida, já elevou seus pensamentos e purificou sua alma; dois ou três dias lhe bastam, ao passo que, em outros, é preciso, algumas vezes, oito ou mais. Frequentemente, assistimos a esse momento solene, e sempre vimos a mesma coisa; isso não é, pois, uma teoria, mas um resultado da observação, uma vez que é o Espírito quem fala e quem pinta sua própria situação. Eis aqui um exemplo mais característico e tanto mais interessante para o observador, que não se trata mais de um Espírito invisível escrevendo por um médium, mas bem de um Espírito visto e ouvido na presença de seu corpo, seja na câmara mortuária, seja na igreja durante o serviço fúnebre.

O senhor X… vinha de ser atingido por um ataque de apoplexia; algumas horas depois de sua morte, o senhor Adrien, um de seus amigos, se encontrava em seu quarto com a mulher do defunto; ele viu distintamente o Espírito deste passear em todos os sentidos, olhar alternativamente seu corpo e as pessoas presentes, depois se sentar numa poltrona; tinha exatamente a mesma aparência de quando vivo; estava vestido do mesmo modo, sobrecasaca preta, calça preta; tinha as mãos nos bolsos e o ar preocupado.

Durante esse tempo, a mulher procurava um papel na escrivaninha, seu marido a olha e diz: Procuras inutilmente, não encontrarás nada. Ela não desconfiava nada do que se passava, porque o senhor X… não era visível senão para o senhor Adrien.

No dia seguinte, durante o serviço fúnebre, o senhor Adrien viu de novo o Espírito de seu amigo perambular ao lado do caixão, mas não tinha mais o vestuário da véspera; estava envolvido com uma espécie de roupagem. A conversação seguinte se iniciou entre eles. Notemos, de passagem, que o senhor Adrien não é sonâmbulo; que nesse momento, como no dia precedente, estava perfeitamente desperto, e que o Espírito lhe aparecia como se fosse um dos assistentes do enterro.

—P. Diga um pouco, caro Espírito, que sentes agora?
—R. Do bem e do sofrimento.

—P. Não compreendo isso.
—R. Sinto que estou vivendo minha verdadeira vida e, no entanto, vejo meu corpo aqui neste caixão; apalpo-me e não me percebo, contudo, sinto que vivo, que existo. Sou, pois, dois seres? Ah! Deixai-me sair desta noite: tenho pesadelo.

—P. Permanecerás por muito tempo assim?
—R. Oh! não; graças a Deus, meu amigo; sinto que despertarei logo: seria horrível de outro modo; tenho as ideias confusas; tudo é neblina: sonho na grande divisão que acaba de ser feita… não compreendo ainda nada.

—P. Que efeito vos fez a morte?
—R. A morte! eu não estou morto, meu filho, tu te enganas. Eu me levantei e fui atingido de repente, por um nevoeiro que me desceu sobre os olhos, depois despertei, julga meu espanto ao me ver, me sentir vivo, e de ver ao lado, sobre a laje, meu outro eu deitado. Minhas ideias eram confusas; enganei-me para me tranquilizar, mas não pude; vi minha mulher chegar, velar-me, lamentar-se, e me perguntava por quê? Consolei-a, falei-lhe, e ela não me respondia e nem me compreendia; aí está o que me torturava e tornava meu Espírito mais perturbado. Só tu me fizeste bem, porque me ouviste e compreendes o que quero; ajudas-me a desembaraçar minhas ideias e me fazes grande bem; mas, por que os outros não fazem o mesmo? Eis o que me tortura… O cérebro está esmagado diante dessa dor… Vou vê-la, talvez me ouça agora… Até logo, caro amigo; chama-me e irei ver-te… Far-te-ei mesmo visita de amigo… Eu te surpreenderei… até logo.

O senhor Adrien viu-o, em seguida, ir junto de seu filho que chorava… Inclinou-se para ele, ficou um momento nessa situação e partiu rapidamente. Não fora ouvido, e, sem dúvida, se figurou produzir um som; eu estou persuadido, acrescenta o senhor Adrien, que o que dizia chegava ao coração da criança; eu vos provarei isso. Revi-o depois, ele está mais calmo.

Observação: - Esta narração está de acordo com tudo o que já havíamos observado sobre o fenômeno da separação da alma; ela confirma, com circunstâncias todas especiais, essa verdade, que depois da morte o Espírito ainda está ali presente. Acredita-se não ter, diante de si, senão um corpo inerte, ao passo que ele vê e ouve tudo o que se passa ao redor dele, que penetra o pensamento dos assistentes, que não há, entre eles e ele, senão a diferença da visibilidade e da invisibilidade; os prantos hipócritas de ávidos herdeiros não podem lhe impor. Quantas decepções os Espíritos devem experimentar neste momento!

Allan Kardec.
Revista Espírita, dezembro de 1858.

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