16 janeiro 2024

Frutos


—Reconheço no Evangelho o livro da salvação, mas decididamente não concordo. Não concordo em que os espíritas de afirmem cristãos.
Era um negociante do Recife, muito ligado às tarefas de evangelização, dirigindo-se a Djalma de Farias, então benemérito lidador da Doutrina Espírita na capital pernambucana.
—Imagine só – e apontando para um homem sob pesado fardo na rua –, aquele é Secundino, que esteve na cadeia por mais de oito anos. Beberrão contumaz, assassinou um companheiro de quarto que lhe negará alguns vinténs, e, por causa dele, morreu a esposa e um filhinho da vítima, em triste miséria. Isso aconteceu aqui mesmo, perto de nós.
Entretanto, hoje diz que é espírita. Lê comentários do Novo Testamento. Fala sobre Jesus.
Não é o caso do demônio que, depois de velho, se fez ermitão?
Farias, porém, objetou, muito afável:
—Meu caro, veja lá o que diz. Não será esse um caso para louvar? Pois se vemos um delinquente regenerado, um homem problema tornar-se útil… Você é leal servidor do Evangelho. Vamos lá! E Jesus? O Mestre foi o remédio dos enfermos, o equilíbrio dos loucos, a visão dos cegos, o movimento dos paralíticos… O papel da religião não será ajudar, restaurar, reviver?
Surpreendendo-se desarmado de argumentação mais sólida, o comerciante aduziu:
—Para mim nada disso vale. Só a palavra do Evangelho é verdadeira. Quero a letra da lei…
—E você tem aí o Testamento do Cristo? – indagou Farias com humildade.
—Como não, gritou o opositor enervado – estudo o Evangelho de ponta a ponta.
E sacou do bolso pequenino exemplar.
—Então, abra o livro – pediu Djalma –, é sempre impossível que não tenhamos resposta justa.
O lojista descerrou as páginas, com segurança, e surgiram aos olhos de ambos as palavras de Cristo no versículo trinta e três do capítulo doze, nas anotações de Mateus: “… pelo fruto se conhece a árvores.”


Espírito Hilário Silva, do livro A vida escreve. Página recebida por Waldo Vieira.


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