02 abril 2021

Na grande barreira


A crônica terrestre costuma anotar esse ou aquele acontecimento em torno da morte dos chamados “grandes do mundo”.

Carlos 5º, da Espanha, soberano de vasto império, termina os seus dias na penumbra do claustro, experimentando o féretro que lhe carrearia o corpo para o sepulcro, à feição de obsesso vulgar.

Elisabeth 1ª, da Inglaterra, depois de manobrar largamente o poder, separa-se do trono, rogando, desesperada:

– “Senhor, Senhor, cedo todo o meu reino por um minuto a mais de vida!”

Moliére tem os próprios restos sentenciados ao abandono.

Napoleão, o estrategista coroado imperador, plasmou com punhos de bronze o temor e a admiração em milhões de súditos, mas não soube guerrear o câncer que lhe exauriu a força vital na solidão de Santa Helena.

Comte, o fundador do Positivismo, superestimando o próprio valor, grita, desapontado, perante a fronteira de cinza:

– “Que perda irreparável!”

Mas assim como os reis e os conquistadores, os filósofos e os artistas se despedem da autoridade e da fama, legiões de criaturas, de todas as procedências e condições, deixam a Terra, todos os dias.

Despojadas dos empréstimos que lhes honorificavam a existência, ante a grande libertação guardam somente o resultado das próprias obras.

Nem posses, nem latifúndios… 

Nem títulos, nem privilégios… 

Nem armas, nem medalhas… 

Nem pena que fira, nem tribuna que amaldiçoe… 

Nem depósitos bancários, nem caderneta de cheques na mortalha sem bolso… 

Imobilizam-se e dormem… 

E acordam buscando os planos em que situaram os sentimentos, dando a impressão de estranha ornitologia, nas esferas do espírito.

Almas nobres e heroicas renascem da letargia, quais pombos viandeiros, remontando à glória do firmamento.

Corações dedicados à virtude e à beleza recobram a atividade como andorinhas, sequiosas da primavera.

Preguiçosos despertam, copiando o insulamento das corujas que se aninham na escuridão.

Viciados e malfeitores diversos ressurgem, à maneira de abutres, espalhando entre os homens os germens da peste.

Faladores impenitentes reaparecem, de praça em praça, a repetirem solenemente conceitos que lhes vibravam na pregação sem obras, lembrando a gritaria inconsequente do bem-te-vi.

Homicidas e suicidas, semelhantes a marrecos desavisados, reabrem os olhos nos abismos serpentários a que se arrojam por gosto.

Não te esqueças, assim, de que terás também a boca hirta e as mãos enregeladas, na grande noite, e acende, desde agora, a luz do bem constante, na rota de teus dias, para que a sombra imensa te não furte ao olhar a visão das estrelas.


Emmanuel, do livro Religião dos Espíritos psicografado por Chico Xavier

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