01 fevereiro 2020

A Oração do Horto


Jesus retomou o lugar que ocupava à mesa do banquete singelo e, antes de se retirarem, elevou os olhos ao céu e orou assim, fervorosamente, conforme relata o Evangelho de João:
Pai santo, eis que é chegada a minha hora! Acolhe-me em teu amor, eleva o teu filho, para que ele possa elevar-te, entre os homens, no sacrifício supremo.
Glorifiquei-te na Terra, testemunhei tua magnanimidade e sabedoria e consumo agora a obra que me confiaste. Neste instante, pois, meu Pai, ampara-me com a luz que me deste, muito antes que este mundo existisse!…
E fixando o olhar amoroso sobre a comunidade dos discípulos, que, silenciosos, lhe acompanhavam a rogativa, continuou:
Manifestei o teu nome aos amigos que me deste; eram teus e tu mos confiaste, para que recebessem a tua palavra de sabedoria e de amor. Todos eles sabem agora que tudo quanto lhes dei provém de ti! Neste instante supremo, Pai, não rogo pelo mundo, que é obra tua e cuja perfeição se verificará algum dia, porque está nos teus desígnios insondáveis, mas, peço-te particularmente por eles, pelos que me confiaste, tendo em vista o esforço a que os obrigará o Evangelho, que ficará no mundo sobre os seus ombros generosos. Eu já não sou da Terra, mas rogo-te que os meus discípulos amados sejam unidos uns aos outros, como eu sou um contigo! Dei-lhes a tua palavra para o trabalho santo da redenção das criaturas; que, pois, eles compreendam que, nessa tarefa grandiosa, o maior testemunho é o do nosso próprio sacrifício pela tua causa, compreendendo que estão neste mundo, sem pertencerem às suas ilusórias convenções, por pertencerem só a ti, de cujo amor viemos todos para regressar à tua magnanimidade e sabedoria, quando houvermos edificado o bom trabalho e vencido na luta proveitosa. Que os meus discípulos, Pai, não façam da minha presença pessoal o motivo de sua alegria imediata; que me sintam sinceramente em suas aspirações, a fim de experimentarem o meu júbilo completo em si mesmos. Junto deles, outros trabalhadores do Evangelho despertarão para a tua verdade, O futuro estará cheio desses operários dignos do salário celeste. Será, de algum modo, a posteridade do Evangelho do Reino que se perpetuará na Terra, para glorificar a tua revelação! Protege-os a todos, Pai! Que todos recebam a tua bênção, abrindo seus corações às claridades renovadoras! Pai justo, o mundo ainda não te conheceu; eu, porém, te conheci e lhes fiz conhecer o teu nome e a tua bondade infinita, para que o amor com que me tens amado esteja neles e eu neles esteja!…

Terminada a oração, acompanhada em religioso silêncio por parte dos discípulos, Jesus se retirou em companhia de Simão Pedro e dos dois filhos de Zebedeu para o Monte das Oliveiras, onde costumava meditar. Os demais companheiros se dispersaram, impressionados, enquanto Judas, afastando-se com passos vacilantes, não conseguia aplacar a tempestade de sentimentos que lhe devastava coração.
O crepúsculo começava a cair sobre o céu claro. Apesar do sol radioso da tarde a iluminar a paisagem, soprava o vento em rajadas muito frias.
Daí a alguns instantes, o Mestre e os três companheiros alcançavam o monte povoado de árvores frondosas que convidavam ao pensamento contemplativo.
Acomodando os discípulos em bancos naturais que as ervas do caminho se incumbiam de adornar, falou-lhes o Mestre, em tom sereno e resoluto:
Esta é a minha derradeira hora convosco! Oral e vigiai comigo, para que eu tenha a glorificação de Deus no supremo testemunho!
Assim dizendo, afastou-se, a pequena distância, onde permaneceu em prece, cuja sublimidade os apóstolos não podiam observar. Pedro, João e Tiago estavam profundamente tocados pelo que viam e ouviam. Nunca o Mestre lhes parecera tão solene, tão convicto, como naquele instante de penosas recomendações.
Rompendo o silêncio que se fizera, João ponderou:
Oremos e vigiemos, de acordo com a recomendação do Mestre, pois, se ele aqui nos trouxe, apenas nós três, em sua companhia, isso deve significar para o nosso espírito a grandeza da sua confiança em nosso auxílio.
Puseram-se a meditar silenciosamente. Entretanto, sem que lograssem explicar o motivo, adormeceram no decurso da oração.
Passados alguns minutos, acordavam, ouvindo o Mestre que lhes observava:
Despertai! Não vos recomendei que vigiásseis? Não podereis velar comigo, um minuto?
João e os companheiros esfregaram os olhos, reconhecendo a própria falta.
Então, Jesus, cujo olhar parecia iluminado por estranho fulgor, lhes contou que fora visitado por um anjo de Deus, que o confortara para o martírio supremo. Mais uma vez lhes pediu que orassem com o coração e novamente se afastou. Contudo, os discípulos, insensivelmente, cedendo aos imperativos do corpo e olvidando as necessidades do espírito, de novo adormeceram em meio da meditação. Despertaram com o Mestre a lhes repetir: Não conseguistes, então, orar comigo?
Os três discípulos acordaram estremunhados. A paisagem desolada de Jerusalém mergulhava na sombra.

A prisão de Jesus

Antes, porém, que pudessem justificar de novo a sua falta, um grupo de soldados e populares aproximou-se, vindo Judas à frente.
O filho de Iscariotes avançou e depôs na fronte do Mestre o beijo combinado, ao passo que Jesus, sem denotar nenhuma fraqueza e deixando a lição de sua coragem e de seu afeto aos companheiros, perguntou: Amigo, a que vieste?
Sua interrogação, todavia, não recebeu nenhuma resposta. Os mensageiros dos sacerdotes prenderam-no e lhe manietaram as mãos, como se o fizessem a um salteador vulgar. …

Chico Xavier/Humberto de Campos, do livro Boa Nova

0 Comments:

Postar um comentário