07 janeiro 2020

A lição de Nicodemos


Em face dos novos ensinamentos de Jesus, todos os fariseus do templo se tomavam de inexcedíveis cuidados, pelos seus extremados apego aos textos antigos.
O Mestre, porém, nunca perdeu ensejo de esclarecer as situações mais difíceis com a luz da verdade que a sua palavra divina trazia ao pensamento do mundo.
Grande número de doutores não conseguia ocultar o seu descontentamento porque, não obstante, suas atividades derrotistas, continuavam as ações generosas de Jesus beneficiando os aflitos e os sofredores. Discutiam-se os novos princípios, no grande templo de Jerusalém, nas suas praças públicas e nas sinagogas. Os mais humildes e pobres viam no Messias o emissário de Deus, cujas mãos repartiam em abundância os bens da paz e da consolação. As personalidades importantes temiam-no.
É que o profeta não se deixava seduzir pelas grandes promessas que lhe faziam com referência ao seu futuro material. Jamais temperava a sua palavra de verdade com as conveniências do comodismo da época. Apesar de magnânimo para com todas as faltas alheias, combatia o mal com tão intenso ardor, que para logo se fazia objeto de hostilidade para todas as intenções inconfessáveis.
Mormente em Jerusalém que, com o seu cosmopolitismo, era um expressivo retrato do mundo, as ideias do Senhor acendiam as mais apaixonadas discussões.
Eram populares que se entregavam à apologia franca da doutrina de Jesus, servos que o sentiam com todo o calor do coração reconhecido, sacerdotes que o combatiam abertamente, convencionalistas que não o toleravam, indivíduos abastados que se insurgiam contra os seus ensinos.
Todavia, sem embargo das dissensões naturais que precedem o estabelecimento definitivo das ideias novas, alguns espíritos acompanhavam o Messias, tomados de vivo interesse pelos seus elevados princípios. Entre estes, figurava Nicodemos, fariseu notável pelo coração bem formado e pelos dotes da inteligência. Assim, uma noite, ao cabo de grandes preocupações e longos raciocínios, procurou a Jesus, em particular, seduzido pela magnanimidade de suas ações e pela grandeza de sua doutrina salvadora. O Messias estava acompanhado apenas de dois dos seus discípulos e recebeu a visita com a sua bondade costumeira.
Após a saudação habitual e revelando as suas ânsias de conhecimento, depois de fundas meditações, Nicodemos dirigiu-se-lhe respeitoso:
—Mestre, bem sabemos que vindes de Deus, pois somente com a luz da assistência divina poderíeis realizar o que tendes efetuado, mostrando o sinal do céu em vossas mãos. Tenho empregado a minha existência em interpretar a lei, mas desejava receber a vossa palavra sobre os recursos de que deverei lançar mão para conhecer o Reino de Deus!
O Mestre sorriu bondosamente e esclareceu:
—Primeiro que tudo, Nicodemos, não basta que tenhas vivido a interpretar a lei.
Antes de raciocinar sobre as suas disposições, deverias ter-lhe sentido os textos.
Mas, em verdade devo dizer-te que ninguém conhecerá o Reino do Céu, sem nascer de novo.
—Como pode um homem nascer de novo, sendo velho? - interrogou o fariseu, altamente surpreendido. - Poderá, porventura, regressar ao ventre de sua mãe?
O Messias fixou nele os olhos calmos, consciente da gravidade do assunto em foco, e acrescentou:
—Em verdade, reafirmo-te ser indispensável que o homem nasça e renasça, para conhecer plenamente a luz do reino!…
—Entretanto, como pode isso ser? - perguntou Nicodemos, perturbado.
—És mestre em Israel e ignoras estas coisas? - inquiriu Jesus, como que surpreendido. - É natural que cada um somente testifique daquilo que saiba; porém, precisamos considerar que tu ensinas. Apesar disso, não aceitas os nossos testemunhos. Se falando eu de coisas terrenas sentes dificuldades em compreendê-las com os teus raciocínios sobre a lei, como poderás aceitar as minhas afirmativas quando eu disser das coisas celestiais? Seria loucura destinar os alimentos apropriados a um velho para o organismo frágil de uma criança.
Extremamente confundido, retirou-se o fariseu, ficando André e Tiago empenhados em obter do Messias o necessário esclarecimento, acerca daquela lição nova...

Chico Xavier/Humberto de Campos, do livro Boa-nova

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