22 dezembro 2019

Quem governa o mundo


Decorridos alguns instantes, Jesus, em companhia de André, deu entrada em casa de Levi, onde se puseram os três em animada palestra. O coletor, a certa altura da conversação, a sorrir ingenuamente, relatou a ocorrência, terminando alegremente a sua exposição, com estas palavras:
Que conseguiria o Evangelho do Reino, com esses aleijados e mendigos? Mas, lembrando-se de súbito que os demais companheiros eram criaturas pobres e humildes, acrescentou: É justo esperemos alguma coisa dos pescadores de Cafarnaum; são homens fortes e desassombrados e o bom trabalho lhes cabe.
Não vejo, porém, como aceitar a contribuição desses desafortunados e vencidos que nos procuram.
Jesus fixou o olhar no discípulo com profundo desvelo e falou com bondade, batendo-lhe levemente no ombro:
No entanto, Levi, precisamos amar e aceitar a preciosa colaboração dos vencidos do mundo!… Se o Evangelho é a Boa Nova, como não há de ser a mensagem divina para eles, tristes e deserdados na imensa família humana? Os vencedores da Terra não necessitam de boas notícias. Nas derrotas da sorte, as criaturas ouvem mais alto a voz de Deus. Buscando os oprimidos, os aflitos e os caluniados, sentimo-los tão unidos ao céu, nas suas esperanças, que reconhecemos, na coragem tranquila que revelam, um sublime reflexo da presença de Nosso Pai em seus espíritos. Já observaste algum vencedor do mundo com mais alta preocupação do que a de defender o fruto de sua vitória material?
Levi sentia-se comovido e, aproveitando a pequena pausa que se fizera, exclamou, algo desapontado:
Senhor, minhas observações partiram tão-só do meu intenso desejo de apressar a supremacia do Evangelho entre os que governam no mundo!…
Quem governa o mundo é Deus afirmou o Mestre, convictamente e o amor não age com inquietação. Agora, imaginemos, Levi, que os triunfadores da Terra viessem até nós, ensarilhando suas armas exteriores. Figuremos alguns generais romanos chegando a Cafarnaum, com os seus troféus numerosos e sangrentos, afirmando-se desejosos de aceitar o Evangelho do Reino de Deus e oferecendo-se para cooperar em nosso esforço. Certamente trariam consigo legiões de guardas e soldados, funcionários e escribas, carros de triunfos, espadas e prisioneiros… Começariam protestando contra as nossas pregações pelas estradas desataviadas da natureza. Por não estarem, no íntimo, desarmados das vaidades das vitórias, edificariam suntuosos templos de pedra, em cuja construção lutariam duramente por hegemonias inferiores; uns desejariam palácios soberbos, outros empreenderiam a construção de jardins maravilhosos.
Recordando a ação das espadas mortíferas, talvez pretendessem disputar a ferro e fogo o estabelecimento do Reino de Deus, exterminando-se reciprocamente, por não cederem uns aos outros, em seus pontos de vista, desde que cada vencedor se julga, no mundo, com maior soma de direitos e de importância. A pretexto de lutarem em nome do céu, espalhariam possivelmente incêndios e devastações em toda a Terra. E seria justo, Levi, trabalhássemos por cumprir a vontade do Nosso Pai, aniquilando seus filhos, nossos irmãos?
O apóstolo o ouvia assombrado, em face da profundeza de sua argumentação. O Mestre continuou:
Até que a esponja do Tempo absorva as imperfeições terrestres, através de séculos de experiência necessária, os triunfadores do mundo são pobres seres que caminham por entre tenebrosos abismos. E imprescindível, pois, atentemos na alma branda e humilde dos vencidos. Para os seus corações Deus carreia bênçãos de infinita bondade. Esses quebraram os elos mais fortes que os acorrentavam às ilusões e marcham para o Infinito do amor e da sabedoria. O leito de dor, a exclusão de todas as facilidades da vida, a incompreensão dos mais amados, as chagas e as cicatrizes do espírito são luzes que Deus acende na noite sombria das criaturas. Levi, é necessário amemos intensamente os desafortunados do mundo. Suas almas são a terra fecundada pelo adubo das lágrimas e das esperanças mais ardentes, onde as sementes do Evangelho desabrocharão para a luz da vida. Eles saíram das convenções nefastas e dos enganos do caminho terrestre e bendizem do Nosso Pai, como sentenciados que experimentassem, no primeiro dia de liberdade, o clarão reconfortante do sol amigo e radioso que os seus corações haviam perdido! E também sobre os vencidos da sorte, sobre os que suspiram por um ideal mais santo e mais puro do que as vitórias fáceis da Terra, que o Evangelho assentará suas bases divinas!…
André e Levi escutavam de olhos úmidos os conceitos do Senhor, cheios de sublimada emoção. Nesse ínterim, chegaram Tiago, João e Pedro e todo o grupo se dirigiu, alegre, para um dos montes próximos.

Chico Xavier/Humberto de Campos, do livro Boa-nova

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