08 março 2021

A mulher e a ressurreição


Jesus e Simão Pedro

As águas alegres do Tiberíades se aquietavam, lentamente, como tocadas por uma força invisível da Natureza, quando a barca de Simão, conduzindo o Senhor, atingiu docemente a praia.
O velho apóstolo, abandonando os remos, deixava transparecer nos traços fisionômicos as emoções contraditórias de sua alma, enquanto Jesus o observava, adivinhando-lhe os pensamentos mais recônditos.
 – Que tens tu, Simão? – perguntou o Mestre, com o seu olhar penetrante e amigo.
Surpreendido com a palavra do Senhor, o velho Cefas deu a perceber, por um gesto, os seus receios e as suas apreensões, como se encontrasse dificuldade em esquecer totalmente a lei antiga, para penetrar os umbrais da ideia nova, no seu caminho largo de amor, de luz e de esperança.
Mestre, respondeu com timidez –, a lei que nos rege manda lapidar a mulher que perverteu a sua existência.
Conhecendo, por antecipação, o pensamento do pescador e observando os seus escrúpulos em lhe atirar uma leve advertência Jesus lhe respondeu com brandura: Quase sempre, Simão, não é a mulher que se perverte a si mesma: é o homem que lhe destrói a vida.
Entretanto tornou o apóstolo, respeitosamente –, os nossos legisladores sempre ordenaram severidade e rispidez para com as decaídas. Observando os nossos costumes, Senhor, é que temo por vós, acolhendo tantas meretrizes e mulheres de má vida, nas pregações do Tiberíades…
Nada temas por mim, Simão, porque eu venho de meu Pai e não devo ter outra vontade, a não ser a de cumprir os seus desígnios sábios e misericordiosos.
Assim falou o Mestre, cheio de bondade, e, espraiando o olhar compassivo sobre as águas, levemente encrespadas pelo beijo dos ventos do crepúsculo, continuou, num misto de energia e doçura:
Mas, ouve, Pedro! A lei antiga manda apedrejar a mulher que foi pervertida e desamparada pelos homens; entretanto, também determina que amemos os nossos semelhantes, como a nós mesmos. E o meu ensino é o cumprimento da lei, pelo amor mais sublime sobre a Terra. Poderíamos culpar a fonte, quando um animal lhe polui as águas? De acordo com a lei, devemos amar a uma e a outro, seja pela expressão de sua ignorância, seja pela de seus sofrimentos. E o homem é sempre fraco e a mulher sempre sofredora…
O velho pescador recebia a exortação com um brilho novo nos olhos, como se fora tocado nas fibras mais íntimas do seu espírito.
Mestre retrucou, altamente surpreendido –, vossa palavra é a da revelação divina. Quereis dizer, então, que a mulher é superior ao homem, na sua missão terrestre?
Uma e outro são iguais perante Deus, esclareceu o Cristo, amorosamente, e as tarefas de ambos se equilibram no caminho da vida, completando-se perfeitamente, para que haja, em todas as ocasiões, o mais santo respeito mútuo. Precisamos considerar, todavia, que a mulher recebeu a sagrada missão da vida. Tendo avançado mais do que o seu companheiro na estrada do sentimento, está, por isso, mais perto de Deus que, muitas vezes, lhe toma o coração por instrumento de suas mensagens, cheias de sabedoria e de misericórdia. Em todas as realizações humanas, há sempre o traço da ternura feminina, levantando obras imperecíveis na edificação dos espíritos. Na história dos homens, ficam somente os nomes dos políticos, dos filósofos e dos generais; todos eles são filhos da grande heroína que passa, no silêncio, desconhecida de todos, muita vez dilacerada nos seus sentimentos mais íntimos ou exterminada nos sacrifícios mais pungentes. Mas, também Deus, Simão, passa ignorado em todas as realizações do progresso humano e nós sabemos que o ruído é próprio dos homens, enquanto que o silêncio é de Deus, síntese de toda a verdade e de todo o amor.
Por isso, as mulheres mais desventuradas ainda possuem no coração o gérmen divino, para a redenção da humanidade inteira. Seu sentimento de ternura e humildade será, em todos os tempos, o grande roteiro para a iluminação do mundo, porque, sem o tesouro do sentimento, todas as obras da razão humana podem parecer como um castelo de falsos esplendores.
Simão Pedro ouvia o Mestre, tomado de profundo enlevo e santificado fervor admirativo.
Tendes razão, Senhor, murmurou, entre humilde satisfeito.
Sim, Pedro, temos razão replicou Jesus, com bondade. E será ainda à mulher que buscaremos confiar a missão mais sublime na construção evangélica dentro dos corações, no supremo esforço de iluminar o mundo.
O apóstolo do Tiberíades ouvira as derradeiras palavras do Divino Mestre, tomado de surpresa.
Conservou-se, no entanto, em silêncio, ante o sorriso doce do Messias.
Muito distante, o último beijo do Sol punha um reflexo dourado no leque móvel das águas que as correntes claras do Jordão enriqueciam. Simão Pedro, fatigado do labor diário, preparou-se para descansar, com sua alma clareada pelas novas revelações da palavra do Senhor, as quais, cheias de luz e esperança divinas, dissipavam as obscuridades da lei de Moisés.

Humberto de Campos, do livro Boa Nova, psicografado por Chico Xavier

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