27 janeiro 2020

A ilusão do discípulo II


A ilusão do discípulo

Sem embargo das carinhosas exortações de Tiago, Judas Iscariotes passou a noite tomado de angustiosas inquietações.
Não seria melhor apressar o triunfo mundano do Cristianismo? Israel não esperava um Messias que enfeixasse nas mãos todos os poderes? Valendo-se da doutrina do Mestre, poderia tomar para si as rédeas do movimento renovador, enquanto Jesus, na sua bondade e simpleza, ficaria entre todos, como um símbolo vivo da ideia nova.
Recordando suas primeiras conversações com as autoridades do Sinédrio, meditava na execução de seus sombrios desígnios.
A madrugada o encontrou decidido, na embriaguez de seus sonhos ilusórios.
Entregaria o Mestre aos homens do poder, em troca de sua nomeação oficial para dirigir a atividade dos companheiros. Teria autoridade e privilégios políticos.
Satisfaria as suas ambições, aparentemente justas, com o fim de organizar a vitória cristã no seio de seu povo. Depois de atingir o alto cargo com que contava, libertaria Jesus e lhe dirigiria os dons espirituais, de modo a utilizá-los para a conversão de seus amigos e protetores prestigiosos.
O Mestre, a seu ver, era demasiadamente humilde e generoso para vencer sozinho, por entre a maldade e a violência.
Ao desabrochar a alvorada, o discípulo imprevidente demandou o centro da cidade e, após horas, era recebido pelo Sinédrio, onde lhe foram hipotecadas as mais relevantes promessas.
Apesar de satisfeito com a sua mesquinha gratificação e desvairado no seu espírito ambicioso, Judas amava o Messias e esperava ansiosamente o instante do triunfo para lhe dar a alegria da vitória cristã, através das manobras políticas do mundo.
O prêmio da vaidade, porém, esperava a sua desmedida ambição.
Humilhado e escarnecido, seu Mestre bem-amado foi conduzido à cruz da ignomínia, sob vilipêndios e flagelações.
Daqueles lábios, que haviam ensinado a verdade e o bem, a simplicidade e o amor, não chegou a escapar-se uma queixa. Martirizado na sua estrada de angústias, o Messias só teve o máximo de perdão para seus algozes.
Observando os acontecimentos, que lhe contrariavam as mais íntimas suposições Judas Iscariotes se dirigiu a Caifás, reclamando o cumprimento de suas promessas Os sacerdotes, porém, ouvindo-lhe as palavras tardias, sorriram com sarcasmo. Debalde recorreu às suas prestigiosas relações de amizade: teve de reconhecer a falibilidade das promessas humanas. Atormentado e aflito, buscou os companheiros de fé. Encontrou-os vencidos e humilhados. Pareceu-lhe, porém, descobrir em cada olhar a mesma exprobração silenciosa e dolorida.

Já se havia escoado a hora sexta, em que o Mestre expirara na cruz, implorando perdão para seus verdugos.
De longe, Judas contemplou todas as cenas angustiosas e humilhantes do Calvário. Atroz remorso lhe pungia a consciência dilacerada. Lágrimas ardentes lhe rolavam dos olhos tristes e amortecidos. Malgrado a vaidade que o perdera, ele amava intensamente o Messias.
Em breves instantes, o céu da cidade impiedosa se cobriu de nuvens escuras e borrascosas. O mau discípulo, com um oceano de dor na consciência peregrinou em derredor do casario maldito, acalentando o propósito de desertar do mundo, numa suprema traição aos compromissos mais sagrados de sua vida.
Antes, porém, de executar seus planos tenebrosos, junto à figueira sinistra, ouvia a voz amargurada do seu tremendo remorso.
Relâmpagos terríveis rasgavam o firmamento; trovões violentos pareciam lançar sobre a terra criminosa a maldição do céu vilipendiado e esquecido.
Mas, sobre todas as vozes confusas da natureza, o discípulo infeliz escutava a voz do Mestre, consoladora e inesquecível, penetrando-lhe os refolhos mais íntimos da alma:
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir ao Pai, senão por mim!…

Humberto de Campos, do livro Boa Nova, psicografia de Chico Xavier

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